Título: Argentina renegocia dívida atrasada de US$ 982,5 milhões com a Espanha
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 02/02/2007, Finanças, p. C2

A Argentina concluiu esta semana mais uma etapa da renegociação de sua dívida externa, cinco anos depois de declarar a moratória para um passivo de quase US$ 145 bilhões à época. Quarta-feira a ministra da Economia, Felisa Miceli, anunciou um acordo com o governo da Espanha para pagar um total de US$ 982,5 milhões de débitos em atraso e o andamento das negociações para quitar US$ 5,7 bilhões que ainda deve aos demais sócios do Clube de Paris (França, Alemanha, Itália, Suiça, Holanda, Japão, Estados Unidos e outros 11 países).

Segundo a ministra, a Argentina pagará 10% da dívida com a Espanha este ano, mais os juros trimestrais; outros 15% no ano que vem e o restante do débito em parcelas de 20% anuais até quitar todo o passivo em 2012. Sobre o principal mais juros, o valor renegociado será acrescido de 1,4% acima da variação da Taxa Interbancária de Londres (Libor).

A dívida foi contraída no fim de 2001, quando a Espanha foi o único país que participou de uma apelo do Fundo Monetário Internacional (FMI) para que os países membros fizessem um empréstimo emergencial para salvar a Argentina da crise que já estava atingindo seu auge. O governo espanhol liberou US$ 1 bilhão, dos quais foram sacados US$ 836 milhões que, somados aos juros e correção, chegaram aos atuais US$ 982,5 milhões.

Em um comunicado oficial, o Ministério informou que os termos do convênio com a Espanha "satisfaz o pedido da Argentina de manter uma maior disponibilidade de recursos durante os primeiros anos, necessários para o cumprimento dos programas financeiros e orçamentários, de acordo com as necessidades de crescimento do país".

Um relatório divulgado segunda-feira pelo Centro de Estabilidade Financeira (CEF), um "think-thank" independente que se dedica a discutir as políticas financeiras do país, aponta que, mesmo depois da reestruturação da dívida, concluída em 2005, e da quitação dos débitos com o FMI, em 2006, a Argentina ainda deve US$ 47,5 bilhões ao exterior.

Na reestruturação, iniciada em 2004, o governo lançou uma proposta de pagamento na qual reconhecia uma dívida de US$ 103 bilhões, mas abrangia apenas US$ 82 bilhões do total e não incluía os juros não pagos desde o momento da declaração da moratória. Ou seja, os credores deveriam se contentar em receber apenas 75% de seus créditos. Em março de 2005, quando se encerrou o prazo dado pela Argentina para que os credores respondessem à oferta, houve uma adesão de 76%. A reestruturação, segundo o CEF, envolveu o resgate de 152 bônus e a emissão de 11 novos títulos em quatro moedas diferentes (pesos argentinos, dólares, euros e ienes).

Ao final, sobraram US$ 20 bilhões devidos aos chamados "hold-outs", os investidores em títulos emitidos pelo país que não aceitaram entrar no processo de reestruturação. Com os juros acumulados nestes dois anos, o valor devido aos "hold-outs" aumentou para US$ 25,256 bilhões, dos quais 60% estão vencidos. Esta é a razão pela qual o Tesouro argentino até hoje não fez uma nova emissão de bônus para captar recursos no mercado internacional, apesar de haver grande demanda pelos papéis do país por investidores de todo o mundo - eles voltaram a comprar títulos argentinos, porém em emissões domésticas. Teme-se que, se a emissão for feita sob a legislação internacional, os investidores bloqueiem os recursos obtidos através de liminares judiciais.

A Argentina ainda deve US$ 6,7 bilhões ao Clube de Paris, mais US$ 13 bilhões em discussão no tribunal arbitral do Banco Mundial para conflitos com investidores (Ciadi) e US$ 2,5 bilhões em outros tribunais internacionais. Durante a negociação com a Espanha, que começou em novembro, na Reunião de Cúpula Latino-Americana em Montevidéu, surgiu um debate no país e fora dele sobre o tratamento diferenciado à Espanha em detrimento aos demais "sócios" do Clube.