Título: Advocacia-Geral quer padronizar trabalho jurídico dos ministérios
Autor: Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 09/05/2007, Brasil, p. A5

A Advocacia-Geral da União (AGU) está criando um sistema de unificação das consultorias jurídicas de todos os ministérios para homogeneizar a atuação do governo em duas grandes frentes. Primeiro, em questões administrativas dos ministérios, como compras e licitações. A idéia é que todas as pastas cheguem a consensos sobre as formas de contratar e comprar. E a segunda frente é arbitrar posições conflitantes entre ministérios.

Para cumprir essas duas tarefas, o novo advogado-geral, ministro José Antonio Dias Toffoli, criou o Colégio de Consultores. Trata-se de um sistema de reuniões periódicas entre os consultores dos ministérios com o objetivo de uniformizar as diretrizes em toda a Esplanada.

Toffoli qualifica a primeira frente (a de compras e contratos) como "atividade-meio" dos ministérios. Ele quer unificar os parâmetros das licitações e dos contratos de cada pasta, com a ajuda do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Controladoria-Geral da União (CGU) - órgãos que se especializaram em analisar compras governamentais. "A forma de contratação do governo tem que ter uma padronização", justificou o advogado-geral.

Se conseguir essa unificação, Toffoli acredita que os ministérios estarão mais aptos a realizar a sua "atividade-fim": a definição de políticas públicas.

As consultorias jurídicas dos ministérios atuam em questões estratégicas em suas pastas. São elas que dão a fundamentação jurídica para os ministérios tomarem decisões. No cotidiano da Esplanada, surgem questões conflitantes entre os ministérios, como, por exemplo, a defesa do meio ambiente, de um lado, e a urgência para a realização de obras em rios, de outro. Muitas vezes, essas questões levam a disputas entre ministros e criam constrangimentos junto ao presidente da República.

Para contornar esse problema, surgiu a idéia de criar um canal de comunicação entre os ministérios. Este novo canal servirá para encontrar soluções diante de posições díspares na Esplanada. O que antes era discutido por ofícios entre os ministérios será, a partir de agora, negociado em reuniões internas. "O Colégio será uma espécie de fórum permanente, com o objetivo de enriquecer os debates sobre políticas públicas e formular proposições mais sólidas à Presidência da República", definiu Toffoli. Neste sentido, a AGU irá funcionar para "homogeneizar entendimentos" na Esplanada, explicou.

Esse trabalho preventivo também deverá evitar disputas judiciais entre diferentes órgãos de governo. É comum empresas estatais processarem o governo ou ministérios manifestarem posições totalmente distintas sobre temas em julgamento, como, por exemplo, a produção de sementes geneticamente modificadas - um assunto que divide a Esplanada. Os ministérios da Agricultura, do Desenvolvimento e da Ciência e Tecnologia são favoráveis ao uso de transgênicos. Já os ministérios do Meio Ambiente, da Pesca, do Desenvolvimento Agrário são contrários à produção desse tipo de sementes.

O Colégio de Consultores servirá para evitar que divergências como essa cheguem à Justiça. Com isso Toffoli acredita que conseguirá solucionar um problema grave na administração pública: em vez de o governo decidir as questões internamente, os ministérios transferem esses problemas para a Justiça. "Qualquer política pública é judicializada no Brasil", criticou.

A criação do Colégio de Consultores marca uma nova etapa na AGU. Toffoli acredita que ela deve ser vista como um "sistema", e não como um ministério. "A AGU é um sistema porque é um órgão de arbitramento", disse.

A AGU sempre esteve presente em todos os ministérios, mas, desde que começou a funcionar, há 14 anos, é vista como órgão responsável por batalhas jurídicas bilionárias entre a União e contribuintes, a União e pensionistas, a União e correntistas. A AGU é freqüentemente vista como adversária de grupos da população. Para Toffoli, essa fase acabou.

"A AGU não existe apenas para ganhar grandes causas para o governo", disse o advogado-geral. Segundo ele, os grandes "esqueletos" judiciais - as causas de dezenas de bilhões de reais que ameaçam a estabilidade das contas públicas - ainda existem. Mas, encontram-se, hoje, administrados pela atuação dos advogados da União, já acostumados a fazer um acompanhamento rígido desses processos. "Nos últimos quatro anos, não se criou planos econômicos, nem medidas jurídicas arriscadas. Com isso houve uma pacificação do governo na área jurídica", justificou.

Logo, a estratégia, a partir de agora será a atuação da AGU "como órgão independente do governo, como órgão de Estado". Toffoli quer que a AGU seja vista da mesma maneira que a Receita Federal e o Itamaraty: órgãos de Estado com atuação eficiente, independentemente do governo de plantão.

Para ele, chamar a AGU de maior escritório de advocacia do país "é diminuir a importância de seu trabalho". "É compará-la a escritórios de advocacia da esquina", critica. "A AGU tem um patamar muito mais amplo." Para tirar a imagem de que atua pelo governo contra o cidadão, a AGU criou um canal de aproximação com a população: um telefone para receber denúncias de ilegalidades em assuntos de interesse da administração.

Em dez dias de funcionamento, o canal do cidadão recebeu 21 denúncias, todas referentes a um dos temas-chave para a AGU nos últimos anos: o funcionamento ilegal de bingos no país. A AGU já moveu 775 ações contra os bingos e conseguiu impedir o funcionamento de 1.550. O Supremo Tribunal Federal já decidiu contra os bingos, mas, mesmo assim, juízes concederam liminares permitindo o funcionamento de várias casas no país. Agora, Toffoli acredita que o problema será solucionado com a aprovação de uma súmula vinculante sobre o tema.