Título: Cartões-postais de Brasília sofrem com a deterioração
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 25/01/2013, Especial, p. A12

Às vésperas de receber milhares de turistas estrangeiros em grandes eventos esportivos, um rastro de omissão e descaso mancha o patrimônio público de Brasília, ícone da arquitetura moderna. Uma auditoria do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) escancara o mau estado de conservação de uma série de edifícios do Plano Piloto, incluindo obras projetadas por Oscar Niemeyer, morto em dezembro.

O relatório aponta uma avalanche de problemas, causada pela falta de manutenção, até mesmo em cartões-postais da cidade. No Teatro Nacional, onde foram achadas rachaduras nas vigas estruturais, há sinais de infiltração no telhado e mofo no carpete. Não é só isso: os camarins se encontravam em "péssimo estado de conservação" e as portas de acesso a dois pontos nobres do teatro - a Sala Martins Pena e o Espaço Dercy Gonçalves - estavam quebradas no momento da auditoria, em uma sucessão de constrangimentos aos visitantes.

Teatro Nacional: rachaduras nas vigas estruturais e infiltração no telhado

O Museu da República, projetado por Niemeyer e inaugurado em 2006, não escapou do quadro de deterioração e já apresenta falhas graves. Mesmo abrigando obras de pintores como Alfredo Volpi e Tarsila do Amaral, o sistema de ar-condicionado não tem contrato próprio, o que "pode prejudicar o acervo existente" se houver problemas em seu funcionamento. Também houve a constatação de trincas, rachaduras e infiltrações em diversos pontos.

Na Rodoviária do Plano Piloto, por onde se passa habitualmente para chegar à Esplanada dos Ministérios, o cenário é especialmente preocupante. Além de rachaduras e fissuras nas estruturas, uma parte dos revestimentos da plataforma superior da rodoviária ameaça se desprender, com o risco de queda sobre a cabeça - literalmente - de pedestres e motoristas que passam pelo Eixo Monumental, uma das principais avenidas da cidade.

Biblioteca Nacional de Brasília: buraco no forro mostra o mau estado do prédio

Apenas duas edificações por onde passaram os auditores do TCDF, o Centro de Convenções e o Panteão da Pátria, não apresentaram avarias significativas - eles foram reformados recentemente. Instalações ocupadas pela União, como o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional, não foram vistoriadas. A auditoria também detectou que 40,5% das passarelas e 33% das pontes e viadutos não estavam em bom estado de conservação. A Ponte do Bragueto, que liga o Plano Piloto ao Lago Norte, já apresenta sinais de corrosão e chega a ter sua armadura metálica exposta.

O Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva (Sinaenco) já havia alertado o governo local, por meio de relatórios, sobre a má conservação de edificações públicas. E apontou uma série de outros problemas que se somam à auditoria do tribunal de contas: assoreamento do Lago Paranoá, falta de capacidade das galerias pluviais e deterioração das calçadas.

O presidente do Sinaenco-DF, Sérgio Castejon Garcia, lembra que a ausência de pedestres em muitas vias de grande circulação de veículos acaba mascarando problemas que são mais difíceis de perceber a 60 ou a 80 quilômetros por hora, como o estado ruim das pontes sobre o lago.

Museu da República, projetado por Niemeyer e inaugurado em 2006: na parte externa, parede mostra rachaduras; no interior, falta ar-condicionado

Garcia diz que não faltam engenheiros qualificados no governo local e atribui grande parte do problema à escassez de recursos orçamentários. "O cobertor é curto. Se você cobre o pescoço, deixa os pés de fora", diz o executivo, lamentando ainda que gastar com a preservação do patrimônio público não costuma render votos. "É uma pena pensar assim, mas obra nova é sempre mais bem vista politicamente", diz.

Para o professor de arquitetura e urbanismo Antônio Carlos Carpintero, da Universidade de Brasília (UnB), não é uma questão só de falta de dinheiro. É também uma questão cultural, não só do brasiliense e do administrador público, mas do brasileiro em geral e do cidadão comum, que não valoriza a manutenção, do patrimônio público ou de sua própria casa.

Juscelino Barbosa: beleza da arquitetura compensa mau estado dos prédios

Carpintero vê ainda um avanço, a passos firmes, dos opositores ao conceito original do Plano Piloto. Cita, para ilustrar, algumas descaracterizações da cidade, como a mudança de gabarito na construção de novos hotéis e o surgimento de bairros como Águas Claras, nos arredores de Brasília, um novo polo residencial de classe média. "Ergueram prédios de 30 a 35 andares em ruas de sete metros de largura, o que constitui uma ofensa aos próprios moradores", afirma.

Apesar do alerta feito pelo tribunal de contas e reforçado por especialistas, nada parece tirar o encanto do turista mineiro Juscelino Evangelista Barbosa, que caminhava pela Esplanada dos Ministérios e se preparava para conhecer o Museu da República. "A arquitetura é deslumbrante e sua beleza compensa os defeitos da falta de manutenção dos edifícios", sentencia.