Título: Desafios emergentes
Autor: Mattos, Adriana
Fonte: Valor Econômico, 17/04/2007, Caderno Especial, p. F1

Para uma empresa brasileira competir no exterior em pé de igualdade, por algum espaço no mercado, é fundamental ter uma boa musculatura. Num ambiente em que o apetite de chineses e indianos só cresce - e com uma série de condições macroeconômicas adversas - a disputa, porém, fica árdua. Há um consenso entre especialistas, ouvidos pelo Valor nas últimas semanas, de que o Brasil corre sérios riscos de perder mais terreno no comércio global a curto e médio prazo. O choque de competitividade provocado pela ascensão da China e Índia é o tema principal da 2ª Conferência Internacional "Desafios Emergentes", que se realiza hoje e amanhã no Hotel Transamérica, em São Paulo, organizada pelo Conselho Empresarial Brasil-China, com a participação de especialistas e líderes empresariais. Além de analisar os fatores de competitividade dos três países, a conferência debaterá as respostas públicas e empresariais necessárias para lidar com os desafios e oportunidades decorrentes da ascensão asiática.

A contínua valorização do real, carga tributária nas alturas, infra-estrutura precária, acanhada política industrial - somadas a outras questões como a falta de uma cultura mais empreendedora no país - colocam em xeque os planos de ampliar as vantagens competitivas nacionais lá fora.

Na avaliação da economista Eliana Cardoso, professora visitante da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) e palestrante do evento, tanto China quanto Índia entendem que há a necessidade de impulsionar reformas internas para se manter competitivos - e se preparam para fazê-las. Ao contrário do Brasil. "Enquanto nós estamos há quinze anos discutindo uma reforma tributária para facilitar a vida das empresas brasileiras, os chineses vão lá e reduzem a taxa de imposto para as empresas nacionais [em abril, passou de 33% para 25%]. Eles agem e nós ficamos parados", afirma.

Para a professora, no entanto, é preciso cautela na análise dos impactos de China e Índia no mercado global. "Não dá para colocar tudo na mesma sacola. São dois países com características completamente diferentes quanto ao modelo de crescimento econômico e de competitividade", diz. "O ponto em comum é que os países conseguem não apenas crescer nas áreas que já dominam, como passaram a incomodar o resto do mundo, inclusive o Brasil, em segmentos que não eram referência mundial", completa. Os setores de automóveis e autopeças são exemplo disso. China e Índia criaram, nos últimos anos, pólos para a fabricação de carros populares com baixo custo de produção.

As entidades do setor privado acreditam que as dificuldades para expandir os negócios e elevar a competitividade dos produtos nacionais na Ásia se originam numa série de fatores conjunturais. "O que a indústria quer é igualdade de condições entre os países. Estamos à mercê do câmbio flutuante, num dos patamares mais baixos dos últimos tempos, e reféns do que ocorre com as taxas de juros. Isso tudo num mercado em que falta infra-estrutura básica e a carga tributária é elevadíssima" afirma Ricardo Martins, diretor titular do Departamento de Comércio Exterior do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp). "Já perdemos vários bondes nessa disputa por mercado com os chineses e indianos. Vamos perder mais".

Para os especialistas, é inegável que a ascensão econômica de chineses e indianos provocou um choque de competitividade no setor produtivo do país e ajudou a impulsionar a produtividade industrial. De acordo com o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) a produtividade do trabalho da indústria nacional subiu 2,5% em 2006 - a alta foi de 2,3% no ano anterior e de 6,1% em 2004. O ganho de eficiência tem ocorrido pela combinação de estabilidade na quantidade de horas pagas e pela expansão na produção do setor.

Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI) ainda há espaço para novos aumentos. "Sempre dá para elevarmos esses ganhos com produtividade. Só não dá para fazer na velocidade que gostaríamos por conta das dificuldades no campo tributário e das incertezas na economia", diz Armando Monteiro Neto, presidente da entidade.

Esse cenário tem forçado a indústria a buscar fórmulas para driblar a ofensiva competição dos chineses e dos indianos. Um desses caminhos está em ampliar a complementaridade dos negócios entre os países. "Há um movimento de expansão da indústria de design de roupas e sapatos no Brasil. A Índia é forte no desenvolvimento de sapatos masculinos e o Brasil, em calçados femininos. As indústrias se complementam. É preciso buscar essa sinergia", diz Roberto Paranhos, presidente da Câmara de Comércio Brasil-Índia.

Outro caminho possível é fechar parcerias e joint ventures com os asiáticos em setores em que eles são fortes ou diversificar a atuação no exterior, buscando espaços em que os produtos brasileiros tenham força competitiva.

Indicadores mundiais de competitividade mostram que o Brasil tem piorado a sua posição nos rankings globais a cada ano. Com carga tributária equivalente a 35% do novo PIB e na quase lanterna do crescimento mundial, o Brasil caiu para a 66ª colocação no Índice de Competitividade Global (Global Competitiveness Index - GCI) do World Economic Forum de 2006-2007, publicado em setembro passado. Com isso, perdeu nove colocações - era o 57º no ano anterior. Os destaques negativos do país foram o posicionamento no pilar da macroeconomia (114º lugar) e das instituições (91º lugar). Há posições melhores nos quesitos da sofisticação empresarial (38º lugar) e inovação (38º lugar).

No índice IMD de competitividade (The IMD World Competitiveness Yearbook), o Brasil se mantém numa estável posição, sempre abaixo do 50º lugar, nos últimos anos. De 2002 a 2006, ocupou o 57º , 52º , 53º , 51º , 52º lugares, respectivamente. Com isso, na comparação entre os quatro principais países emergentes do mundo que compõe o BRIC - Brasil, Rússia, Índia e China - o país ocupa a última colocação no critério de competitividade.

Na avaliação de Rubens Barbosa, presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), em áreas de mão-de-obra intensiva, é muito difícil competir com a China. No caso da Índia o mesmo acontece na tecnologia de ponta. "Em agricultura temos vantagens competitivas e ainda podemos buscar caminhos para não perder terreno no setor de calçados e em setores já internacionalizados, como o automobilístico e autopeças", afirma. Em têxteis e móveis, "somos competitivos do portão para dentro, pois quando o item sai da porta da fábrica os custos dos impostos oneram os produtos", diz ele.

Em 2006, o Brasil exportou US$ 8,4 bilhões em mercadorias aos chineses, o que representa uma alta de 23% em relação a 2005. Desse total, a grande parte, US$ 6,2 bilhões, foram produtos básicos. Minérios de ferro e grãos de soja respondem por metade das exportações brasileiras à China hoje. Já as importações atingiram quase US$ 8 bilhões no ano passado e o saldo positivo da balança ficou em US$ 410 milhões. Mas esse valor tem se reduzido ano a ano desde 2003 por conta da velocidade de crescimento das importações superior à das exportações.

Na Índia, houve uma piora nos resultados comerciais. Nos últimos cinco anos, o Brasil atingiu média exportadora anual de US$ 786,3 milhões para a Índia. O volume médio importado ao ano, porém, foi maior: US$ 858,3 milhões. O Brasil comprou muito óleo diesel dos indianos - o produto que mais pesa na conta de importação brasileira - e vendeu bem menos açúcar e álcool em 2006. Com isso, o déficit na balança se intensificou.

A forte atuação das empresas indianas no comércio atrapalha menos o Brasil do que a (muitas vezes hostil) ação chinesa no mercado internacional. Estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) intitulado "Potencial de Comércio entre Brasil e Índia" mostra que a Índia não é considerada um competidor tão forte para o país, em relação a outros países asiáticos. O volume de produtos com vantagens comparativas em comum entre Brasil e Índia é inferior a um terço do volume total de mercadorias exportadas pelos países, relata a CNI.