Título: As condenações e a apreensão de passaportes
Autor: De Melo, Renato
Fonte: Valor Econômico, 01/11/2012, Política, p. A10

Iniciada a fase final do julgamento do mensalão, o Supremo Tribunal Federal (STF) passou à avaliação da dosimetria das penas. Após a estipulação de sanções para alguns dos condenados, os trabalhos foram suspensos por motivo de viagem do ministro relator ao exterior. De todo modo, noticia-se que o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, teria protocolado um pedido junto ao tribunal para a apreensão dos passaportes dos condenados. Este deve ser proximamente analisado.

Tal medida, aplaudida por boa parte da população leiga, tem como justificativa evitar uma suposta fuga daqueles que já receberam o voto condenatório, mas que ainda aguardam a estipulação da quantidade de tempo a que serão enviados ao cárcere. Existem, contudo, algumas considerações cabíveis a serem feitas, para além da simples ideia do castigo a ser atribuída.

Embora seja verdade que a apreensão dos passaportes possa ter um viés preventivo, dificultando que os réus, agora condenados, deixem o país, isso se mostra, de certo modo, como um real constrangimento antecipado. Dir-se-á: ora, mas esse constrangimento é inerente à condenação. Isso não necessariamente é uma verdade, e isso por algumas razões.

Inicialmente, é de se ver que uma condenação criminal somente deve gerar efeitos após a promulgação da sentença definitiva. Trata-se do trânsito em julgado da mesma. Seria o momento em que esta, não mais podendo ser reformada, passa a ser dada como derradeira. Por óbvio, em se tratando de julgamento originário perante a mais elevada Corte judicial do país, é de se imaginar a inexistência de recursos. Essa a razão, aliás, de questão de ordem bem posta pela defesa nos primeiros momentos do julgamento. Ocorre que, apesar do duplo grau de jurisdição, de fato, não ser aqui presente, o mesmo não se pode dizer de modalidades recursais. Elas existem sim.

Em julgamentos de ações penais originárias perante o Supremo, ainda que com dúvidas de alguns, são previstas duas modalidades recursais: embargos de declaração e embargos infringentes. Apesar da capacidade reduzida de alteração das decisões, ela existe. E somente após o julgamento final dos embargos é que se pode imaginar o trânsito em julgado. Assim, somente após esse julgamento final é que se poderia imaginar a apreensão dos passaportes, sob pena de antecipação dos efeitos da condenação e consequente violação do princípio da presunção de inocência.

Note-se que o julgamento de embargos pode se estender por anos até a decisão definitiva, como, aliás, é o caso da Ação Penal nº 396, em curso perante o mesmo Supremo. Nesse caso, houve o julgamento de um deputado federal por crimes contra a administração pública, tendo sido ele, em 28 de outubro de 2010, condenado às penas de 13 anos, 4 meses e 10 dias de reclusão, além de significativa multa. Ainda são pendentes os respectivos recursos, mas nenhuma outra medida restritiva foi-lhe aplicada.

Pode-se entender que a apreensão de passaportes seja tida como constitucional, e vista como um poder geral de cautela do juiz, havendo precedentes nesse sentido no próprio tribunal os Habeas Corpus nº 94.147/RJ e 101.830/SP. Também há a previsão posterior à reforma processual dada pela Lei nº 12.403, de 2011. Hoje, conforme o artigo 320 do Código de Processo Penal, tem-se que "a proibição de ausentar-se do país será comunicada pelo juiz às autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional, intimando-se o indiciado ou acusado para entregar o passaporte, no prazo de vinte e quatro horas." Mesmo assim, deve-se ter com cautela a medida restritiva da liberdade de locomoção. Ela é legal, mas necessita ser fundamentada e justificada.

Somente se forem presentes indícios de que possa existir fuga dos condenados é que se justificaria semelhante apreensão. Caso contrário, não. Não se sabe como se darão as condenações para além das figuras do núcleo publicitário. De todo modo, qualquer pedido divorciado de justificativas reais acaba por se mostrar unicamente simbólico e desnecessariamente violento, antecipando-se a efetivação de pena, e, derradeiramente, contrário a entendimentos anteriores do próprio colegiado.