Título: O entorno das unidades de conservação
Autor: Antunes, Paulo de Bessa
Fonte: Valor Econômico, 20/10/2006, Legislação & Tributos, p. E2

Um tema controverso em direito ambiental é a chamada área de amortecimento ou de entorno de unidades de conservação. A instituição legal de tais áreas somente ocorreu no ano 2000, por força do artigo artigo 2º, inciso XVIII da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, que instituiu o chamado Sistema Nacional de Unidades de Conservação: "Entende-se por zona de amortecimento: o entorno de uma unidade de conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade."

Pela medida legislativa foi criada a medida adequada para uma intervenção sobre propriedade de terceiros. Com exceção das áreas de proteção ambiental, as unidades de conservação devem possuir zona de amortecimento a ser definida no ato de sua criação ou, posteriormente, por sua administração, segundo o artigo 25, parágrafo 2º da legislação. A lei não fala em limites das zonas de amortecimento, o que implica, evidentemente, que este somente poderá ser fixado mediante um estudo técnico que indique a real necessidade da área de terra particular a ser submetida ao peculiar regime jurídico administrativo.

Isso se deve ao fato de que o inciso XVIII do artigo 2º da lei estabelece uma vinculação para o administrador, visto que as normas e restrições específicas têm o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade. Seguramente, por se tratar de função social da propriedade e, portanto, de adequação de uso, o administrador deve provar ao particular que a restrição imposta na zona de amortecimento é essencial para minimizar os impactos na unidade de conservação, ausente tal condição, não há que se falar em zona de amortecimento.

Contudo, antes da clara definição da lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, a matéria era bastante frágil do ponto de vista normativo e, até hoje, persistem as dúvidas e obscuridades em prejuízo de todos. O Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), conforme a Resolução nº 13, de 1990, estabeleceu que "nas áreas circundantes das unidades de conservação, num raio de dez quilômetros, qualquer atividade que possa afetar a biota deverá ser obrigatoriamente licenciada pelo órgão ambiental competente" e que "o licenciamento a que se refere o caput deste artigo só será concedido mediante autorização do responsável pela administração da unidade de conservação." Tais disposições foram estabelecidas com base no artigo 27 do Decreto nº 99.274, de 1990, que dispunha: "Nas áreas circundantes das unidades de conservação, num raio de dez quilômetros, qualquer atividade que possa afetar a biota ficará subordinada às normas editadas pelo Conama." A lei regulamentada pelo Decreto nº 6.902, de 27 de abril de 1981, não estabeleceu o limite de dez quilômetros ao redor das estações ecológicas, tendo se limitado a uma proteção genérica de área vizinha, segundo seu artigo 3º: "Nas áreas vizinhas às estações ecológicas serão observados, para a proteção da biota local, os cuidados a serem estabelecidos em regulamento, e na forma prevista na Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, e Lei nº 5.197, de 3 de janeiro de 1967."

-------------------------------------------------------------------------------- Centenas de milhares de quilômetros quadrados de terra agricultável têm sido subtraídos do mundo econômico --------------------------------------------------------------------------------

Vale ressaltar, ademais, que a resolução foi voltada precipuamente para as estações ecológicas, não obstante esteja sendo aplicada a toda e qualquer unidade de conservação. Veja-se que, mesmo no regime legal anterior ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação era bastante questionável o limite de dez quilômetros estabelecido pela resolução, uma vez que a lei não estipulava distâncias.

No novo regime legal, instituído pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação, o legislador não se deixou impressionar com medidas e, sabiamente, determinou uma avaliação da área necessária para a proteção ambiental, mediante a apresentação de estudos técnicos que justifiquem de forma cabal a necessidade de que uma parcela de área de propriedade particular seja submetida a um regime jurídico-administrativo especial. Não subsiste mais a Resolução nº 13 do Conama, visto que incompatível com as normas da lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Ademais, há que se observar que a Lei nº 6.902, foi, em minha opinião, revogada pela Lei nº 9.985, que dispôs inteiramente sobre unidades de conservação, inclusive estações ecológicas. A péssima técnica legislativa que, não raras vezes, polui a produção da legislação ambiental, não faz menção expressa de tal circunstância. Contudo, uma simples leitura da Lei de Introdução ao Código Civil nos mostra que "a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior", conforme seu artigo 2º, parágrafo 1º.

O assunto tratado neste artigo mereceria ser examinado com mais atenção por nossas autoridades, pois centenas de milhares de quilômetros quadrados de terra agricultável ou destinadas a outras atividades produtivas, têm sido subtraídos do mundo econômico, gerando processos criminais e ações civis públicas por conta de uma equivocada interpretação das normas de proteção ambiental.

Paulo de Bessa Antunes é advogado do escritório Dannemann Siemsen Meio Ambiente Consultores

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