Título: Abyara enfrenta o desafio de transformar modelo de negócio
Autor: Adachi, Vanessa
Fonte: Valor Econômico, 22/09/2006, Empresas, p. B1

Na recente onda de abertura de capital de empresas do setor imobiliário, chamou a atenção o caso da Abyara, que pareceu algo inusitado. Afinal, em meio a tantas incorporadoras que acessaram o mercado de ações, o que estaria fazendo uma corretora? Por que uma empresa que comercializa imóveis e presta consultoria no setor precisava captar vários milhões?

A resposta é que a Abyara quer ela própria se tornar uma incorporadora. E é para essa nova atividade que destinará a maior parte dos R$ 163,77 milhões captados com a sua oferta pública, feita em julho.

A razão para essa virada no modelo de negócios é simples. "Embora a margem da comercialização seja muito superior, a maior fatia da receita gerada pelos empreendimentos fica mesmo para quem faz a incorporação", diz Marcelo Lima, diretor de operações e de relações com investidores da empresa, além de sócio.

Uma preocupação da Abyara ao ingressar nesse novo nicho é não melindrar os clientes, ou seja, justamente as outras incorporadoras que até agora contavam com ela no desenvolvimento e comercialização de seus empreendimentos. Nomes como Cyrela, Setin e Klabin Segall figuram entre as maiores clientes da Abyara na corretagem.

"Não vamos ser concorrentes dos nossos clientes", afirma Lima. De acordo com ele, a Abyara não pretende incorporar sozinha. "Nossa idéia é ter 10% a 30% de cada projeto desenvolvido por outras incorporadoras."

Até o momento, a empresa já acertou a sua participação como incorporadora em mais de 20 projetos, com lançamentos que vão até o quarto trimestre de 2007. Sua fatia média (como incorporadora) nesses negócios está em 16% (a meta é aproximar-se cada vez mais dos 30%). Com isso, a empresa soma atualmente em carteira um Valor Geral de Vendas (VGV), indicador da indústria que representa a receita potencial de venda (bruta da comissão de corretagem), de R$ 601,5 milhões. A título de comparação, a Gafisa projeta um VGV de R$ 534 milhões com os lançamentos do primeiro semestre do ano.

Transformar o foco de atuação de uma empresa não é tarefa trivial. Em relatório divulgado há duas semanas, o analista Jorge Kuri, do Morgan Stanley, destaca o fato de a empresa não possuir um histórico como co-investidora na incorporação. "Não há evidência histórica da habilidade da direção da companhia para executar essa estratégia", escreveu o analista.

Justamente porque ainda precisa se provar como incorporadora, suas ações são negociadas com um desconto considerável em relação às empresas já consolidadas na área. Segundo o relatório do Morgan Stanley, os papéis da Abyara estão com desconto de 52% em relação a Cyrela, 47% em relação a Gafisa e 36% para Rossi (considerando as estimativas de preço/lucro para 2007).

O analista avalia que a estratégia de negócios da Abyara assume que as incorporadoras permitirão que a empresa participe como co-investidora em projetos futuros, o que representa um risco. "A Cyrela, por exemplo, ainda não assinou nenhum contrato de co-investimento com a Abyara", destaca Kuri. A Cyrela respondeu por 31% dos lançamentos dos quais a Abyara participou em 2005.

Marcelo Lima acredita que o papel da Abyara é complementar ao das incorporadoras tradicionais e que a empresa tem algo valioso a agregar aos projetos, o que deve garantir seu acesso a contratos. "Temos o entendimento do lado do consumidor", diz ele. Ou seja, por ter comercializado tantos empreendimentos diferentes, a companhia acredita conhecer o que desejam aqueles que buscam um imóvel. "Não falta capital hoje no Brasil para o setor imobiliário, a restrição é a capacidade de desenvolver bons projetos, que ofereçam retornos superiores à média de mercado", raciocina.

Ao falar do novo modelo de negócios, o executivo destaca o que considera duas vantagens. Primeiro, o fato de que a Abyara ingressará no ramo de incorporação, com maiores receitas, praticamente sem incrementar sua estrutura de custos. "Tudo o que precisamos já está dentro de casa." A segunda é que a empresa funcionará como aqueles fundos de investimento que aplicam em outros fundos. Ou seja, quem investir nos papéis da empresa estará, indiretamente, aplicando em projetos de várias incorporadoras.

O relatório do Morgan Stanley projeta um potencial de valorização de 104% para as ações da Abyara até o fim de 2007, chegando a R$ 51. O banco foi a instituição contratada para fazer a oferta pública da empresa. Ontem, a ação ordinária estava cotada a R$ 24,95, ligeiramente abaixo do preço de lançamento (R$ 25). A limitada liquidez do papel é um ponto fraco.