Título: Lula quer maior aproximação com AL e África
Autor: Leo, Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 04/09/2006, Especial, p. A12

Se reeleito, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deverá apoiar a renovação da indústria bélica na América do Sul, para produção conjunta de armamentos tradicionais pelos países da futura Comunidade Sul-Americana. Essa é uma das novidades nos planos do candidato Lula, segundo integrantes de sua campanha responsáveis pela elaboração do programa de governo. O presidente-candidato está decidido também a adotar medidas para reduzir o descompasso econômico dos países menores da região em relação às nações maiores, e deverá reforçar a aproximação com os países africanos.

Esses são alguns dos pontos levantados por assessores e conselheiros do presidente na área da política externa, que mais o diferenciam do candidato em segundo lugar nas pesquisas de opinião, Geraldo Alckmin, da coligação PSDB-PFL. Lula, como indicou o programa de governo divulgado na semana passada, também insistirá nos esforços diplomáticos para dar ao Brasil um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas e concluir com sucesso a rodada de negociações comerciais na Organização Mundial do Comércio.

"Apoiamos uma política de recuperação da indústria bélica em toda a região", informou ao Valor o coordenador do programa de governo da coligação que apóia a reeleição de Lula, Marco Aurélio Garcia, que acumula a assessoria internacional da Presidência.

A convicção de que é vantajoso para os países da região depender menos de fornecedores internacionais para equipar as forças armadas locais leva o governo Lula a aceitar, como normal, iniciativas do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, de instalação de uma fábrica de fuzis automático russos no país. Garcia e outros assessores insistem, porém, que a estratégia de produzir armamentos mais baratos para os governos na região é acompanhada de forte atuação política para manter o continente comprometido com a paz e a democracia, e contra o uso bélico de energia nuclear.

Lula e seus assessores não concordam com a impressão geral de que Chávez tem disputado poder e afetado interesses do Brasil na América Latina. A melhor estratégia em relação ao presidente venezuelano é "tê-lo perto", diz um dos principais conselheiros de Lula em política internacional. "Chávez tem sido um parceiro leal", diz Marco Aurélio Garcia, que minimiza a atuação do venezuelano na Bolívia.

Garcia, um dos principais interlocutores de Chávez no governo, rejeita irritado as críticas ao venezuelano. Mas, como ocorre no atual governo, um segundo mandato de Lula deverá tentar controlar os arroubos de Chávez buscando evitar um excessivo destaque para o venezuelano, reforçando os compromissos pacíficos e democráticos dos países vizinhos, na planejada Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA). Ainda em dezembro, já definidas as eleições, o Brasil participa de uma reunião dos países da CASA, que deverá trazer uma declaração presidencial falando em compromissos com a democracia e políticas responsáveis de estabilidade macroeconômica, e saudando a ausência de conflitos graves no continente.

Como um eventual governo Lula seria de continuidade, e há indicações de que o presidente gostaria de manter seu atual ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, muitas das idéias manifestadas pelo atual chanceler a seus interlocutores, nos últimos dias, devem ser aproveitadas em um possível segundo mandato. Amorim defende, por exemplo, que acordos e conversas bilaterais têm dado excessiva ênfase ao aspecto de abertura de mercados, e quer acrescentar às negociações comerciais iniciativas para promover a cooperação e transferência tecnológica.

Acordos como o negociado com o japão para produção de etanol, ou o da tv digital, e busca de investimentos industriais de alto conteúdo tecnológico são vistos com entusiasmo na equipe do candidato. Em muitos casos, o Brasil entraria como a origem da tecnologia transferida, como é o caso das negociações com a África, que, segundo Marco Aurélio Garcia, devem ganhar novo impulso caso haja o segundo mandato. Lula tem falado freqüentemente em aumentar as ações na África, continente com o qual, acredita, o país tem uma "dívida histórica". Seus assessores preferem falar da herança cultural e defender a idéia como uma maneira de compreender melhor o próprio Brasil.

A Embrapa tem sido entusiasta dos acordos de integração, que tem permitido disseminação da tecnologia da empresa e realização de pesquisas no continente africano. Nos últimos dias, Amorim tem falado em reforçar a Agência Brasileira de Cooperação (ABC), responsável pelos programas de cooperação com outros países. As críticas da oposição, de que grande parte das ações de política externa têm sido movidas por critérios "ideológicos", sem pragmatismo, tanto Garcia quanto Amorim costumam responder com a lista de empresas que têm se favorecido da maior aproximação do Brasil com países emergentes, como a Embraer, a Odebrecht, a Vale do Rio Doce e outras exportadoras que incrementaram negócios com esses parceiros.

O desgaste do Mercosul, com ameaças de rompimento por parte dos sócios menores, Uruguai e Paraguai, obviamente está na lista de prioridades do candidato, que deverá pressionar a equipe econômica a encontrar fórmulas mais eficazes de ajuda aos vizinhos. "Medidas para reduzir a assimetria entre países como Uruguai, Paraguai e Bolívia, e o Brasil e Argentina são uma determinação do presidente", enfatiza Garcia, endossando uma reivindicação de Celso Amorim, que há meses defende no governo criação de mecanismos de financiamento do Brasil para as economias menores da região.

Um dos mecanismos em estudo, que ficará como projeto para o próximo governo, é a criação de uma instituição financeira de desenvolvimento para toda a América do Sul. O governo Lula tenta fazer com que a Corporación Andina de Fomento, instituição regional do qual o Brasil já é sócio, seja reforçada e ganhe esse papel.

A exploração comercial do mercado consumidor dos Estados Unidos claramente não ocupa profundamente as discussões da equipe do programa de governo. A possível manutenção do atual ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, em um segundo mandato, também reforçaria a estratégia de buscar acordos de remoção de barreiras burocráticas, e uma aproximação em setores como o etanol e biocombustível, que motivou recentemente até a vinda de uma delegação enviada pelo governador da Flórida, Jebb Bush, irmão do presidente americano, George Bush, e entusiasta da idéia.