Título: ABN vende carteira de R$ 900 milhões
Autor: Carvalho, Maria Christina
Fonte: Valor Econômico, 16/08/2006, Finanças, p. C1

O Banco ABN AMRO Real acaba de concluir a operação inédita no mercado brasileiro de venda de uma carteira de cerca de R$ 900 milhões de créditos corporativos inadimplentes, vencidos há mais de dois anos e reestruturados - chamados de "non performing loans" (NPL) ou créditos não performados.

O comprador foi o banco americano Lehman Brothers, que disputou a carteira com outros sete grupos, totalizando 12 investidores estrangeiros interessados. A instituição americana não comentou a aquisição, mas fontes próximas afirmaram que faz parte da sua estratégia de ampliar a atuação no mercado brasileiro.

A licitação foi organizada pela PricewaterhouseCoopers (PwC). O valor da operação não foi revelado.

A superintendente de reestruturação de crédito do ABN AMRO Real, Cristiana Ferraz, afirmou que o banco pretende, com a venda da carteira, canalizar seus esforços para a recuperação de créditos reestruturados ou renegociados mais recentemente. "A nova lei de falências mudou muito esse mercado. Ao vender as operações mais antigas podemos atacar as mais recentes", afirmou Cristiana.

A receita obtida com a venda da carteira entra no caixa do banco, como recurso para qualquer finalidade desejada. Como as operações já haviam sido baixadas como prejuízo, não há outro impacto contábil.

O mercado de venda de créditos não performados é bastante desenvolvido no exterior. Segundo Antônio Toro, o sócio da PwC que liderou a montagem da operação, esse mercado ganhou impulso com a crise asiática, há cerca de 10 anos. Há inclusive hedge funds especializados nesse ativo. Um dos maiores mercados é o alemão, que movimenta cerca de ? 10 bilhões anualmente.

No Brasil, porém, ainda é acanhado e limita-se a operações envolvendo carteiras de varejo, em geral adquiridas por empresas de cobrança capitalizadas, como um negócio paralelo. Eventualmente são vendidos créditos corporativos inadimplentes de determinadas empresas, mas não de um portfólio variado.

A operação do ABN AMRO Real também diferencia-se das cessões de carteira de financiamento ao consumo e crédito consignado feitas por bancos médios, que envolvem operações em curso normal, isto é, que estão sendo amortizadas. "A carteira vendida pelo ABN", explicou Cristiana, "tem um risco muito maior porque inclui ativos já vencidos e/ou renegociados extra ou judicialmente".

A PwC levou seis meses organizando o leilão. O lote vendido compreende cerca de 220 contratos, referentes a operações vencidas há no mínimo dois anos, de dívidas de empresas de vários setores. O valor médio de cada operação é de R$ 4 milhões. Segundo Cristiana, a diversidade dos setores em que atuam as empresas devedoras ajudou a diluir o risco e valorizou a carteira.

A disputa foi realizada por meio de propostas fechadas. Um dos trabalhos da Price foi padronizar as condições das ofertas - prazo de pagamento, por exemplo -, de modo a que prevalecesse o critério de venda pelo melhor preço.

Outro trabalho importante da consultoria foi avaliar e selecionar os créditos, levantar o histórica de cada operação e examinar sua documentação. Tudo isso foi colocado em um "data room virtual", disse Toro. "A bem-sucedida operação do ABN deverá estimular novas ofertas de carteiras de créditos corporativos e de varejo no país". acrescentou Toro. A expectativa é que esse tipo de negócio aumente com expansão do crédito no mercado brasileiro.

Foi importante para atrair o investidor estrangeiro, acrescentou, o volume da carteira vendida. Para justificar o custo logístico de se investir na avaliação e recuperação dos créditos no Brasil, era necessário ter uma certa massa crítica. Ao adquirir esse tipo de carteira, o investidor paga um deságio substancial mas conta em recuperar os créditos em um volume superior ao preço pago.

A assessoria legal foi realizada pelo escritório Tozzini, Freire, Teixeira e Silva Advogados. Antonio Felix de Araújo Cintra, sócio do escritório, prevê um aquecimento nesse mercado, uma vez que as recentes mudanças na Lei de Falências devem facilitar a reestruturação, a resolução e a cobrança de créditos inadimplentes. "A legislação contribui para a desburocratização do processo", afirmou.