Título: Após semestre de conflitos, Mercosul pode voltar a negociar acordo com UE
Autor: Braga, Paulo
Fonte: Valor Econômico, 19/07/2006, Brasil, p. A2

O Brasil assume nesta semana a presidência rotativa do Mercosul depois de um semestre marcado por conflitos bilaterais entre os sócios e por avanços modestos no processo de aperfeiçoamento da união aduaneira. Apesar de a agenda da cúpula de amanhã e sexta na cidade argentina de Córdoba refletir esse clima de poucas realizações, os próximos seis meses devem ser mais agitados.

Durante a presidência brasileira o Mercosul deve retomar as negociações do acordo com a União Européia, que estão hoje paralisadas. Na gestão brasileira o tribunal arbitral do Mercosul também terá de se pronunciar sobre uma das mais graves crises da história do bloco, o conflito entre Uruguai e Argentina por causa da instalação de duas fábricas de celulose do lado uruguaio da fronteira.

De acordo com uma fonte do governo brasileiro, já está tomada a decisão de convocar, para setembro, uma reunião no Brasil para tentar revitalizar o diálogo comercial com a União Européia. Segundo a fonte, o encontro deve ocorrer depois que estiver definido o desfecho da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC). A conclusão de Doha vem sendo colocada como condição pelos europeus para voltar a dialogar com o Mercosul.

Na questão das papeleiras, o tribunal arbitral do Mercosul, que tem sede em Assunção, deve julgar nos próximos meses o pedido de indenização feito pelo Uruguai, por prejuízos causados por bloqueios feitos na fronteira entre o país e a Argentina. Os "piquetes", como são chamados em espanhol, foram usados como forma de protestar contra a instalação de fábricas de polpa de celulose às margens do Rio Uruguai e ocorreram sem que o governo argentino interferisse. Montevidéu alega que os bloqueios violaram um dos princípios básicos do Mercosul, a livre circulação de mercadorias e pessoas, e pede uma indenização de cerca de US$ 300 milhões.

Já a agenda do encontro de amanhã e sexta foi descrita como "morna" por uma fonte do governo brasileiro e inclui temas sempre presentes em todas as reuniões, como o trabalho para que o Mercosul se torne, de fato, uma união aduaneira. Os países devem anunciar que concluíram as bases do código aduaneiro do bloco, uma condição essencial para que o Mercosul padronize regras alfandegárias e possa ser eliminada a cobrança dupla da Tarifa Externa Comum (TEC). Mas a previsão é que tributação múltipla só venha a ser eliminada a partir de 2009.

Talvez pela falta de avanços concretos, o governo do presidente Nestor Kirchner vem dando ênfase aos "avanços políticos" obtidos durante a presidência argentina do primeiro semestre, como o ingresso da Venezuela no bloco - o país participará pela primeira vez de uma cúpula como membro permanente. Também será anunciado um acordo comercial com Cuba, por meio do qual os países do Mercosul unificaram suas preferências tarifárias com a ilha, além da assinatura de um acordo-marco para iniciar negociações de um tratado comercial com o Paquistão.

A assinatura do pacto com Cuba fez com que o líder cubano, Fidel Castro, fosse convidado à reunião. Se realmente for a Córdoba, Fidel deve participar, junto com o venezuelano Hugo Chávez e o boliviano Evo Morales, de uma cúpula paralela organizada por movimentos sociais e sindicatos.

A caminho da reunião, Chávez terá, em Brasília, um almoço de trabalho com o presidente Lula. No almoço, com a presença do ministro das Minas e Energia, Silas Rondeau, Chávez e Lula discutirão os projetos de cooperação entre a Petrobras e a estatal venezuelana PDVSA, e o projeto de construção do gasoduto do Sul, da Venezuela à Argentina, passando pelo Brasil.

A Venezuela ingressa no bloco com direito a participar de todas as discussões, mas só poderá votar quando seu protocolo de adesão ao Mercosul for aprovado pelos outros países-membros, pelo Congresso ou por decreto, dependendo do caso. Também não se sabe ainda de que maneira a Venezuela vai se integrar às negociações comerciais com a União Européia. A questão será ainda mais complicada no caso da Alca, porque o governo de Chávez se opõe totalmente à área de livre comércio impulsionada pelos EUA.