Título: Concessões da energia: o importante é o baixo custo ::
Autor: Pedrosa,Paulo
Fonte: Valor Econômico, 14/10/2011, Opinião, p. A12

O vencimento das concessões nos próximos anos abrirá espaço para a redução do custo da energia elétrica, independentemente da solução adotada. Essa afirmação do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, certamente inspirada pela presidente Dilma Rousseff, indica o reconhecimento de um direito dos consumidores.

As concessões que vencem correspondem a um quarto da capacidade hidrelétrica de geração do país e a mais de 80% da de transmissão. São empreendimentos que foram construídos há mais de 50 anos, em alguns casos com recursos do empréstimo compulsório nunca devolvido aos consumidores, e seus investimentos já foram ou deveriam ter sido amortizados.

A diferença entre o custo que refletiria essa realidade e os valores cobrados atualmente pode chegar a até R$ 7 bilhões por ano, considerando as concessões de geração que vencem até 2017, aos quais podem se juntar até R$ 3 bilhões anuais relativos às concessões de transmissão. É a esse montante - ou pelo menos a parte dele- que o ministro se refere quando afirma que o custo da energia vai diminuir.

Independentemente do fato de as concessões serem re-licitadas, o que parece ser a solução mais aderente à lógica regulatória, ou renovadas, alternativa vista como politicamente menos conflituosa, três aspectos precisam ser garantidos para que o processo seja benéfico para os consumidores e para a sociedade. O primeiro deles, que parece estar assegurado pelas declarações do ministro Lobão, é que a União não crie mecanismos para se financiar com a oportunidade.

Outro aspecto é que o valor dos ativos não depreciados associados às concessões seja calculado de forma adequada, levando-se em consideração que os consumidores já pagaram pela amortização dos investimentos por décadas. Caso o valor da indenização seja equivocado, os consumidores seriam onerados diretamente no preço da energia em caso de renovação e indiretamente ao compor o lance dos vencedores e em seguida o preço da energia no caso de re-licitação (afinal, parece muito improvável o descontingenciamento dos R$ 10 bilhões da Reserva Global de Reversão entregues ao Tesouro ou que a parcela emprestada a empresas do setor esteja disponível a tempo). O terceiro ponto é que os benefícios do processo alcancem todos os consumidores do país, os atendidos por distribuidoras e os que estão no mercado livre.

Uma alternativa para respeitar essas condições, válida tanto para o caso da licitação quanto para o de renovação, seria a adoção de sistemática semelhante à do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa): garantindo a cada consumidor, a preço justo, uma parcela da energia proporcional ao seu consumo, diluída no mix de contratos das distribuidoras ou entregue diretamente, no caso dos consumidores livres.

Outra possibilidade é disponibilizar a energia a valor de mercado a consumidores livres e cativos, capturando a diferença entre esse montante e o custo real da energia para abater, de forma automática e direta, as tarifas de transmissão pagas por todos.

Evidentemente, há muitos interesses em jogo. Um dos principais é dos atuais concessionários, pelas repercussões naturais do fim das concessões. Além disso, agentes dos demais segmentos do setor elétrico e investidores (inclusive governos estaduais) e de outros setores que também operam sob regime de concessões estão atentos ao precedente que será criado.

Nesse contexto, alguns geradores alegam que as usinas ainda não foram depreciadas, confundindo, algumas vezes, passivos de empresas com ativos não depreciados de concessões de usinas e misturando conceitos de depreciação fiscal, contábil e regulatória, para apresentar reivindicações exageradas.

O fato é que o compromisso do consumidor se resume aos períodos tarifados em que houve um reconhecido desequilíbrio não coberto por algum encontro de contas setorial. Pelas regras atuais, à medida que migraram para o novo modelo e negociaram livremente no mercado os preços da energia, as empresas perderam o direito à indenização - se assim não fosse os piores negociadores seriam premiados, em clara negação do conceito da livre negociação por conta e risco do agente.

Por fim, há os que argumentam que precisam da renda das concessões que vencem para participar da expansão do setor, ideia altamente criticável, uma vez que o sistema elétrico brasileiro não é pré-pago. Pelo contrário: os investimentos devem ser feitos com recursos de terceiros e próprios - incluindo remunerações de investimentos anteriores - para serem recuperados no futuro.

Considerando esses fatos, a participação crescente de entidades representantes de consumidores no processo - como as federações das indústrias de São Paulo e do Rio de Janeiro e do Conselho Nacional de Consumidores de Energia - e as manifestações do governo a respeito do tema, tudo indica que, desta vez, o consumidor terá seu espaço preservado no processo.

A mobilização da sociedade e dos consumidores é fundamental, tendo em vista os naturais interesses presentes e a liberdade que o tratamento da questão na forma de uma Medida Provisória permitirá. É justamente essa participação que colocará a questão das concessões no patamar que lhe cabe: o de um tema de desenvolvimento nacional, e não o de uma questão particular da cadeia produtiva da energia.

O importante, independentemente do modelo adotado é que a energia deve ser destinada a todos os agentes de consumo de maneira isonômica e a preços que reflitam seu baixo custo. É um modo justo de garantir que a sociedade brasileira deixe de pagar uma das contas de energia mais caras do mundo, hoje um importante fator de perda de competitividade da economia nacional.

Paulo Pedrosa é presidente-executivo da ABRACE (Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres).