Título: Apuração preliminar dá a vitória a García no Peru
Autor: Paulo Braga
Fonte: Valor Econômico, 05/06/2006, Internacional, p. A11

Uma apuração paralela dos votos da eleição presidencial peruana dava ontem a vitória ao candidato social democrata Alan García. Segundo dados coletados pela empresa de pesquisas Apoyo em 100% das mesas de apuração, o ex-presidente teve 52,7% dos votos, contra 47,3% para o nacionalista Ollanta Humala. Nenhum dos dois candidatos quis falar em derrota ou vitória, mas Alan García deixou escapar um tom de "quase eleito" ao dizer que "o país derrotou o esforço de Hugo Chávez de implantar o militarismo no Peru".

Os primeiros resultados oficiais seriam divulgados na noite de ontem, mas, como as cifras da chamada "contagem rápida" de votos eram similares à da pesquisa de boca-de-urna, a Apoyo considerava García como virtual presidente do Peru. Outra pesquisa da empresa Datum atribuía 54,9% para García contra 45,1% para Humala. Partidários do Apra, agremiação do ex-presidente, já comemoravam a vitória, mas os nacionalistas diziam que vão aguardar a divulgação dos resultados oficiais. Espera-se que sejam publicados hoje 50% do total de votos. O final da contagem pode demorar até uma semana. A posse do novo presidente será em 28 de julho.

Os números da apuração rápida indicavam uma grande polarização do eleitorado, com os votos de Humala, que venceu o primeiro turno disputado em abril, concentrados nas regiões do centro e sul do país e vitória de García na capital, Lima, e no norte. A divisão geográfica indica que as pessoas mais pobres e de etnia mestiça ou indígena votaram em Humala, em contraste com os cidadãos de classe média e alta de zonas urbanas e mais desenvolvidas, que preferiram o ex-presidente Alan García.

Mesmo sem obter a Presidência, o partido de Humala deu uma demonstração de força e conta com a maior bancada no Congresso. O Peru também terá eleições regionais em novembro, o que significa que os nacionalistas, que de acordo com a contagem da empresa de pesquisas venceram em 15 dos 24 departamentos (Estados), poderiam consolidar uma base de poder político importante nas regiões mais pobres. Nessas áreas Humala chegou ter mais de 70% dos votos, segundo os dados preliminares.

"Nossa esperança é Ollanta", disse o garçom Celso Quiñones, 45, que fez campanha por Humala e considera que o Peru "precisa de um governo mais autoritário, porque ninguém suporta mais os seqüestros, roubos e estupros".

Quiñones vive em San Juan de Miraflores, um subúrbio pobre da capital peruana que fica a 14,5 km do centro. Leva uma hora para chegar ao restaurante onde trabalha como maître, em um bairro que também se chama Miraflores, mas é uma das zonas mais nobres da cidade. Com um salário de 500 soles (cerca de R$ 400), mais 900 soles de gorjetas que acumula mensalmente, consegue ter uma vida simples, mas digna, inclusive com casa própria. Aos domingos, apresenta um programa em uma rádio limenha dirigido aos migrantes da região de Cusco, de onde saiu aos 15 anos para trabalhar na capital.

No programa, feito sem roteiro e onde se escutam algumas frases em idioma quéchua, toca música folclórica, anuncia missas e festas populares e pede doações para que uma escola na sua cidade natal, Paruro, possa comprar computadores. "A criançada de Paruro precisa de ensino técnico", diz.

Quiñones fez campanha por Humala. O candidato nacionalista a deputado de seu distrito foi eleito. O partido do ex-militar, União Pelo Peru, formará a maior bancada do Parlamento unicameral, com 45 dos 120 representantes. O Apra, de García, terá 35 deputados. Do total de parlamentares, 13 representarão a Aliança para o Futuro, do ex-presidente Alberto Fujimori, que está em liberdade condicional no Chile e cuja extradição é pedida pelo governo peruano.

Apesar da imagem corrupta de seu governo, Quiñones afirmou que "se Fujimori tivesse sido candidato, ganharia a eleição no primeiro turno", elogiando a gestão do ex-presidente. Sobre García, diz que seu governo (1985-90) foi "catastrófico" e lembra com pesar da época em que o país viveu com hiperinflação e escassez de vários produtos básicos.

A mesma lembrança da gestão de García tem uma família de classe média do bairro limenho de San Borja, mas, em contraste, seus integrantes deram seu voto para García. "Votei em García porque não há outra opção democrática", disse a secretária aposentada Victoria Cisneros, 56, ainda com os dedos marcados com tinta azul que comprovam o fato de ter votado. "Sabemos que García cumprirá um mandato de cinco anos e depois deixará o poder. Com Humala é imprevisível o que pode acontecer", afirmou o engenheiro Carlos Herrera, 59, lembrando os vínculos ideológicos do candidato peruano com o presidente venezuelano, Hugo Chávez.

Herrera recorda que durante o governo de García teve parte de suas economias confiscadas quando o ex-presidente congelou os depósitos bancários em dólares e obrigou quem sacasse o dinheiro a aceitar a cotação oficial da moeda, quando no mercado paralelo o valor da divisa americana era um terço maior. "Mesmo assim consegui construir minha casa", afirmou Herrera. Em seguida, lamenta que o aumento da criminalidade esteja sendo sentido de perto pela família: nos últimos anos, a casa já foi roubada quatro vezes.

Toda a família, que no primeiro turno apoiou Lourdes Flores, ex-deputada e candidata de centro direita, também enfrentou as filas durante o racionamento de produtos básicos, como leite, óleo e açúcar. Mas, apesar das diferenças com o candidato social democrata, optou por escolher o "mal menor". "Ele é uma pessoa inteligente e tem de fazer um governo melhor", disse Cisneros. "A história está lhe dando uma segunda oportunidade para fazer uma boa gestão", afirmou Herrera.