Título: Acordo automotivo pode ser adiado de novo
Autor: Sergio Leo e Paulo Braga
Fonte: Valor Econômico, 08/06/2006, Brasil, p. A3

A concessão de desconto de 40% no imposto de importação de peças para a indústria automobilística é um dos principais obstáculos à assinatura de um novo acordo para o comércio no setor automotivo, entre Brasil e Argentina. Reunidos em Buenos Aires, no fim da semana passada, negociadores dos dois países discutiram , pela primeira vez, uma contraproposta argentina à proposta brasileira de estabelecer, a partir de 2010, o livre comércio de veículos e peças entre os dois principais sócios do Mercosul, e de criar regras de transição flexíveis até essa data.

A dificuldade, até entre os interlocutores no Brasil, de decidir o que fazer em relação ao desconto no imposto de importação pode levar a um novo adiamento do acordo. O governo brasileiro já cogita a possibilidade de assinar um novo acordo provisório e só voltar a tratar do assunto no final de 2007, quando os processos eleitorais dos dois países estiverem concluídos.

As regras atualmente vigentes para o setor automotivo deveriam ter se extinguido no começo do ano, para quando estava previsto originalmente o começo do livre comércio entre os dois países no setor. O dia 30 de junho já é o segundo prazo adicional que os dois países estabeleceram para tentar novas regras de funcionamento do acordo.

Além do desconto na importação de autopeças, as principais diferenças para a obtenção de um novo pacto são a negativa argentina em aceitar o estabelecimento de uma data para a entrada em vigor do livre comércio (o Brasil propõe 2010) e os termos em que será medido o intercâmbio. O Brasil quer que, como no acordo atual, o comércio seja regulado por um "flex" global, que hoje está em 2,6. Isso significa que para cada dólar que exporta ao Brasil em veículos e autopeças a Argentina pode importar US$ 2,6 sem o pagamento de impostos, e vice-versa.

O governo argentino defende um "flex" por empresa, com o objetivo de pressionar as montadoras que não fabricam automóveis no país, ou fabricam poucas unidades, a investirem mais. Se a idéia prosperar, a empresa mais afetada será a Fiat, que não fabrica automóveis na Argentina, apenas motores e caixas de câmbio.

O governo brasileiro está disposto a acabar com o desconto na importação de peças, reivindicado no Brasil pelos fabricantes de partes e peças reunidos no Sindipeças. Mas as montadoras, reunidas na Anfavea, pediram alguma compensação para evitar um aumento excessivo no custo dos automóveis fabricados no Brasil, já afetados pela valorização do real. As autoridades brasileiras pediram aos empresários que cheguem a um acordo sobre qual seria essa compensação, e a discussão ameaça impedir o Brasil de apresentar uma proposta sobre o tema à Argentina em curto prazo.

Na reunião de Buenos Aires, os argentinos confirmaram, formalmente, o que já havia sido informado à delegação brasileira: não aceitam a fixação de uma data para o livre comércio, com o argumento de que, sem as condições adequadas de comércio entre os dois países, a fixação de prazos seria apenas uma burocracia formal, que desmoralizaria o acordo.

Diante da falta de consenso, uma fonte do governo brasileiro ouvida pelo Valor disse considerar provável a assinatura de um acordo transitório, mantendo as regras do intercâmbio mais ou menos nos parâmetros atuais. De acordo com a fonte do governo brasileiro, um acordo provisório deveria manter as condições do intercâmbio atual, embora o Brasil aceite, por exemplo, discutir algum tipo de redução do flex.

A aposta brasileira é que as negociações possam ser retomadas em um contexto mais favorável do que o atual. Nos quatro primeiros meses do ano, a produção de veículos na Argentina cresceu quase 20%, e a exportação 15%, o que foi acompanhado de anúncios de novos investimentos no mercado argentino, por parte de grandes montadoras. A avaliação é que a tendência da indústria automobilística argentina é continuar esta recuperação, o que permitiria que no fim de 2007 haja mais condições de abordar pontos que hoje são problemáticos.

O argumento da Argentina para não definir a data do livre comércio é que só será possível fazê-lo quando a indústria local tiver condições equitativas de competir com as fábricas instaladas no Brasil e assegurar sua sobrevivência no longo prazo.

A eleição presidencial está prevista para outubro de 2007 e espera-se que o atual presidente, Néstor Kirchner, seja candidato à reeleição, embora ele ainda não tenha se definido quanto à questão. Consultada pelo Valor, uma fonte do governo argentino disse que não houve qualquer discussão sobre a possibilidade de prorrogação do acordo provisório e reiterou a intenção de chegar ao final de junho com um pacto definitivo.