Título: O desafio da volta da licença-maternidade
Autor: Stela Campos
Fonte: Valor Econômico, 06/12/2004, Eu & Carreira, p. D6

Há três semanas, toda tarde por volta das três horas, os funcionários da FESA Global Recruiters páram por alguns minutos o que estão fazendo para receber a visita muito especial da pequena Ana Clara, no auge dos seus dois meses e meio de vida. A menina vem ao escritório a pedido da mãe, a sócia vice-presidente da empresa, Aline Zimermann, que faz questão de amamentá-la diariamente, já que preferiu voltar ao trabalho antes dos 120 dias de licença-maternidade previstos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) brasileira. O dilema de Aline na hora de separar-se da recém-nascida em prol de não ficar muito tempo afastada de suas funções, é comum para muitas mulheres executivas. "No meu caso, como sou sócia e dona do negócio, não podia nem queria ficar longe muito tempo", justifica Aline. "É um malabarismo", confessa. Equilibrar os papéis de executiva e mãe é sempre difícil, mas o momento da volta ao trabalho é um dos mais desafiadores. "O grande medo é de se sentir prescindível", diz consultora Karin Parodi, do Career Center. Algumas medidas, entretanto, podem atenuar a tensão e tornar esse retorno mais tranqüilo. "Acompanhar o que está acontecendo na empresa, no mercado e com a concorrência ajudará muito a mulher nesse retorno", diz. Almoçar com colegas, interar-se dos assuntos da companhia são sempre atitudes essenciais para dar mais segurança à profissional que estará se reintegrando ao grupo, acredita a consultora. A tecnologia tem ajudado muitas mulheres nesta tarefa. Aline, por exemplo, já abriu o e-mail no quinto dia após o nascimento desua filha.

Manter em dia o correio eletrônico é um procedimento simples adotado por quase todas as executivas. "O trabalho é como um filho mais velho, não dá para interromper esse contato", diz Vera Sylos, diretora da Alexander Mann, no nono mês de gravidez. Ela já decidiu que ficará fora por apenas dois meses e pretende depois no começo trabalhar meio-período e de forma remota quando necessário. "Acho que a executiva que fica fora quase seis meses, acaba tendo seu espaço preenchido", diz. Para a headhunter Iêda Novais, sócia-diretora e presidente do conselho consultivo da Mariaca & Associates, o período que a profissional fica fora da organização não é um fator determinante para uma volta bem sucedida. O que importa é como a executiva irá se preparar para esse retorno. "Vale a pena voltar com um grande projeto de impacto, para que seu talento seja rapidamente reconhecido", aconselha. "A mensagem a ser passada é de que o filho é um motivo de alegria, uma grande realização e não irá afetar a qualidade do seu trabalho". A gerente sênior da consultoria espanhola DMR Consulting, Ana Cláudia Silveira, estava na Booz Allen Hamilton quando teve o filho Lucas, hoje com dois anos. "Como em consultoria trabalhamos por projeto, foi mais fácil tirar os quatro meses de licença", conta. Na época da gravidez, ela conta que trabalhava muito e quase não parava em casa. O marido também era consultor e ambos viajavam a trabalho quase todo fim de semana. "Não tínhamos nem TV, porque nunca ficávamos em casa", lembra. Com a chegada do filho, precisou armar uma nova infra-estrutura na época da licença para adaptar-se à nova realidade. Contratou uma empregada e uma babá para trabalhar 24 horas. Cercar-se de uma boa infra-estrutura para deixar o filho da melhor maneira possível é fundamental para que a executiva tenha segurança e consiga desligar-se de casa na hora de retomar suas funções. Mas, mesmo estando bem amparada, algumas situações profissionais podem ser conflitantes. Foto: Marisa Cauduro/Valor

Aline Zimermann, vice-presidente da FESA Global Recruiters, recebe a visita da filha Ana Clara, para amamentá-la.

Vinte dias após voltar ao trabalho, Ana Cláudia precisou viajar por conta de um novo projeto. "A primeira noite fora foi como se eu voltasse a ser criança e tivessem tirado o meu pirulito, foi muito ruim", lembra. A longa jornada de trabalho e as viagens, acabaram levando a consultora a procurar uma nova posição em outra empresa cinco meses após a volta da licença-maternidade. No novo emprego, depois de um tempo, Ana Cláudia voltou a ter que viajar. Resolveu a questão de outra forma. "Agora levo o Lucas e a babá comigo", diz. Para Karin Parodi, do Career Center, o período da licença pode ser um bom momento para se refletir sobre valores. "Quais são os novos papéis na sua vida?", questiona. Cabe à empresa, por sua vez, respeitar a nova situação da profissional. "Esse processo tem que ser encarado de forma natural e a funcionária tem que se sentir bem-vinda", diz Martha Campos, superintendente de Recursos Humanos da Redecard, onde 49% dos 700 funcionários são mulheres. Martha é um caso raro. Ela foi promovida enquanto estava de licença-maternidade. "Saí como consultora e voltei como gerente", conta. "Foram dois presentes: a minha filha e a promoção". Durante a licença, Martha foi visitada pelo chefe, pelos colegas e não sentiu que estava fora do time. Agora, como superintendente de RH, preocupa-se em oferecer a outras mulheres o mesmo tratamento. Este ano, duas executivas da Redecard estavam de licença-maternidade quando suas áreas estavam para ser reestruturadas. A companhia decidiu realizar uma reunião fora da cidade para discutir algumas ações estratégicas. "Convidamos as duas para participarem do encontro e estendemos o convite para os seus bebês", conta a superintendente. "Elas puderam levar as babás ou suas mães para tomarem conta dos filhos, tudo por conta da empresa". Júlio Sérgio Cardozo, presidente da Ernst &Young, que conta com 59% de mulheres entre os 800 funcionários do seu quadro técnico, diz que é importante garantir para elas que os seus lugares continuarão intactos após o afastamento. "A mesa, a flor, a foto, é como se nada tivesse acontecido", diz. Depois dos quatro meses assegurados pela lei brasileira, as funcionárias da consultoria, no geral, ainda emendam um mês de férias. "Trata-las bem faz parte da sobrevivência do negócio", diz. Cardozo diz que depois da volta é importante a empresa entender que a mulher terá duas agendas. "Ela terá que ir ao pediatra, terá outras necessidades que precisarão ser encaradas pela companhia", diz. "Em algumas ocasiões, a presença da mãe em casa é insubstituível". A consultoria estuda inclusive se existe a possibilidade legal de formalizar o horário flexível para abrir mais opções de trabalho para o seu efetivo feminino. Iêda Novais, da Mariaca & Associates, lembra que a mulher tem uma característica integradora em sua personalidade. "Com a maternidade ela vive um momento muito especial, de plenitude e amadurecimento. Ela está mais aberta a mudanças, mais criativa e a empresa deve saber aproveitar isso", diz. Jacqueline Escotero, diretora de marketing para a América Latina da Merck & Co. , matriz da indústria farmacêutica Merck Sharp & Dohme, acredita que foi com a maternidade que conseguiu a inspiração necessária para dar uma guinada na sua vida profissional. Logo depois de voltar da licença-maternidade, ela inscreveu-se em um disputado processo de seleção para uma vaga na matriz, nos Estados Unidos. Concorreu com profissionais de vários países e foi escolhida. "Meu filho tinha apenas oito meses quando optei por uma carreira internacional", conta. Jacqueline teve que mudar-se para uma cidade próxima a Nova York. Ela foi com o filho e o marido ficou no Brasil. "Nos vemos nos feriados, nas férias, sempre que é possível", conta. De passagem por São Paulo esta semana, acompanhada do filho, ela diz que apesar do sacrifício não se arrepende de nada. "Tenho certeza que tomei a decisão certa".