Título: Aritmética fiscal
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 20/04/2006, Brasil, p. A2

Os números falam por si. Entre 1995 e 2005, a dívida líquida do setor público subiu de 31% do PIB para 52%. Não estourou porque o superávit primário (que cobriu parte dos pagamentos de juros) cresceu, no mesmo período, de 0,3% do PIB para 4,8% e permitiu ao governo convencer os credores de sua vontade e capacidade de pagamento. A contrapartida do aumento do superávit primário foi um salto da carga tributária, de 30% para 38% do PIB.

É o dobro da carga tributária de países com renda semelhante à nossa. Além de pesada, sua estrutura é ruim. No lugar de uma composição sadia de dois impostos - um de renda e outro sobre o valor adicionado - a multiplicidade de taxas e contribuições forma uma cascata que desvirtua a atividade econômica e solapa a competitividade dos produtos brasileiros.

-------------------------------------------------------------------------------- O argumento de que não há onde cortar é inaceitável --------------------------------------------------------------------------------

O ministro da Fazenda calcula as renúncias fiscais, que distorcem preços e lucros, em R$ 19,2 bilhões por ano (com um acréscimo superior a R$ 6 bilhões em 2005). Sobre os consumidores e empresas que pagam seus impostos recaem os devidos pelas empresas, que deixam de pagar os seus, seja porque recebem subsídios do governo, seja porque se escondem na informalidade. E porque distorcem preços e lucros, as taxas desiguais e as renúncias fiscais impedem a sinalização tanto de ineficiências quanto de oportunidades de investimento e, assim, prejudicam o crescimento.

As propostas de reforma tributária não evoluem, porque nossa estrutura federativa não desenvolveu mecanismos de cooperação que facilitem a negociação das mudanças, diz Basília Aguirre, professora da USP. O conflito distributivo acirrou-se a partir de 1982, quando os municípios passaram a receber uma parcela crescente das receitas tributárias. Entre 1988 e 1990, o governo federal recuperou parte das perdas à custa dos governos estaduais, mas voltou a perder terreno para os Estados e municípios de 1994 a 1997, quando reagiu mais uma vez.

Nesse conflito, os governantes aumentam suas rendas ao impor perdas a outros níveis do governo ou ao aumentar a carga tributária, cuja qualidade alocativa piora.

Parece cada vez mais claro que a carga tributária alta em relação ao nível do PIB transformou-se no maior entrave ao crescimento do Brasil. Mas, se a economia não cresce, a capacidade de arrecadar impostos se verá tolhida e os credores do governo voltarão a se perguntar se a dinâmica da dívida é sustentável. Parece temerário falar em dominância fiscal quando a queda dos juros aponta para a possibilidade de redução de gastos. Mas vale lembrar que, se novos gastos públicos substituem os pagamentos de juros, a dinâmica ruim de impostos altos e crescimento baixo se perpetua.

A opinião pública já entendeu que o crescimento requer cortes de impostos que, por sua vez, pressupõem cortes de gastos. Mas o governo, ao recusar-se a considerar propostas de controle dos gastos reais, faz o movimento oposto no anteprojeto da LDO para 2007. O argumento de que não há onde cortar também é inaceitável. Técnicos e políticos inovadores, capazes de negociar reformas, deveriam substituir burocratas ineficientes e conseguir resultados pela combinação de medidas de ordens diversas. Medidas como o corte do número de ministérios pela metade e o aumento da idade mínima de aposentadoria para 65 anos, incluindo homens e mulheres, assim como a categoria dos professores.

Os governos de São Paulo e Minas mostraram que é possível realizar ajustes fiscais e introduzir inovações gerenciais ao mesmo tempo, argumenta Fernando Luiz Abrucio (Valor, 16/4). Alguns países europeus cortaram os gastos do setor público de forma dramática, apontam Ludger Schuknet e Vito Tanzi em estudo do Banco Central da Europa. Ao contrário do Brasil, onde o gasto primário aumentou em 9% do PIB entre 1991 e 2005, cinco países na tabela abaixo cortaram gastos primários em mais de 8% do PIB nas últimas décadas. A maior parte dos cortes nesses países consistiu em forte redução de transferências e subsídios. Em dez anos, o Canadá cancelou gastos primários equivalentes a quase 13% do PIB.

Como os juros também caíram, a combinação da redução de gastos primários com menor serviço da dívida resultou na queda dos gastos totais do governo em mais de 10% do PIB em países, como a Nova Zelândia, Canadá, Holanda, Bélgica e Finlândia. Entre 1982 e 2002, na Irlanda, os cortes chegaram a 16,4 % do PIB. A redução de gastos públicos se fez acompanhar de melhores indicadores fiscais. As quedas do déficit fiscal e da dívida pública permitiram cortes de impostos, com aumento do emprego e do crescimento sustentável. Apesar de exceções como a França, atrelada ao passado de Estado grande, os países industrializados têm se mostrado capazes de organizar reformas fiscais e cortar gastos. Tomara que os próximos governos possam fazer o mesmo pelo Brasil.