Título: Encargo faz custo baixo evoluir para tarifas altas
Autor: Roberto Rockmann
Fonte: Valor Econômico, 15/09/2011, Especial, p. F4

Para o Valor, de São Paulo

Com mais de 80% de sua energia elétrica gerada por hidrelétricas e ainda dispondo de muito potencial de construção, principalmente na região Amazônica, o Brasil tem um dos custos de produção de energia mais baixos do mundo, ao contrário de dezenas de países que têm de importar carvão ou gás, investir em usinas nucleares ou outras opções caras. Se o custo para gerar energia elétrica é baixo, na ponta final, o consumidor paga uma das mais elevadas contas de luz do mundo.

Com uma matriz semelhante, o consumidor canadense tem uma tarifa 64% mais barata do que a brasileira. Na siderurgia, as usinas chinesas operam com preços da energia até 80% mais baixos do que os das produtoras nacionais de aço. Já o Paraguai, onde a energia é 60% inferior, começa a atrair fabricantes de alumínio provenientes no Brasil. Uma das explicações para esse paradoxo é a carga tributária - encargos e tributos respondem por cerca de metade da conta de luz.

O cenário da energia cara agrava a situação de competitividade da indústria nacional em um momento em que o recrudescimento da crise mundial deverá acirrar a concorrência por mercados. Um exemplo das ameaças pode ser visto no setor vidreiro. Há um excedente de 9 milhões de toneladas de vidro plano na China, e, nos últimos três meses, 35% de um segmento na área de vidros planos, que inclui utensílios domésticos, tem sido abastecido por importação chinesa. "Uma grande montadora brasileira de veículos discutiu recentemente importação de vidro automotivo diretamente da China, o que mostra a ameaça que paira no ar para a nossa indústria", diz Lucien Belmonte, superintendente da Associação Brasileira da Indústria de Vidro (Abividro).

Segundo estudo da FGV encomendado pela Abrace, a tarifa média da indústria deve ter alta de 22,7% até 2020

Entre 2009 e 2014, o setor investirá R$ 2,4 bilhões para dobrar sua capacidade de produção em vidros planos, para 2,5 milhões de toneladas, mas os custos crescentes de produção, a presença maior dos chineses no mercado e a dificuldade em exportar para a Argentina, por conta da dificuldade na obtenção de licenças, deixam o setor preocupado. "A China tem um excedente mais de três vezes maior que nossa capacidade, enquanto nossos custos de produção, o câmbio valorizado e a energia jogam contra", diz. No setor de vidro, a conta de luz responde por até 35% dos custos.

"O Brasil está perdendo competitividade", afirma Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo.

Mas este não é um fenômeno particular da indústria nacional de vidro. Fabricantes de alumínio também convivem com um cenário difícil: uma tarifa competitiva para o segmento estaria em cerca de US$ 25 a US$ 30 o MWh, mas produtoras instaladas região Norte, principal polo de produção de alumínio no Brasil, já estão fabricando com preços acima de US$ 70 o MWh, patamar que é o dobro da média mundial.

Desde 1985, o país não presencia a construção de nenhuma fábrica de alumínio primário. O problema está no preço da energia, principal custo de um setor eletrointensivo, para converter alumina (produto obtido do minério de bauxita) em alumínio. Sem estímulos, o país pode se transformar apenas em um grande exportador de produto básico.

As exportações de alumina estão em expansão. Em 2007, estavam em 3,8 milhões de toneladas. Em 2010, pularam para 6,4 milhões de toneladas. Poderão crescer ainda mais, já que a capacidade de produção do segmento, que em 2009 estava em 8,6 milhões de toneladas, pode passar para 13 milhões de toneladas em 2013, caso todos os projetos em andamento saiam do papel no cronograma.

"Em um primeiro momento, tem-se dificuldade para vender uma folha de alumínio para uma montadora. Em um segundo, importa-se toda a junta para a fabricante de veículos. Em depois já estaremos trazendo o carro pronto. O efeito vai se prolongando ao longo do tempo e se estendendo a toda a cadeia. O alto custo da energia é uma ameaça a toda indústria brasileira, em um momento de câmbio valorizado", afirma Paulo Pedrosa, presidente da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia (Abrace).

Segundo estudo da FGV encomendado pela Abrace, a tarifa média da indústria deve ter alta de 22,7% até 2020, sendo que o preço pago pelos consumidores eletrointensivos, como fabricantes de alumínio e vidro, deve subir ainda mais: 31,2% entre 2009 e 2020. O estudo aponta que, entre 2009 e 2020, o Brasil deve ter um crescimento de 4,99% ao ano, impulsionado pela ascensão social, eventos esportivos e a exploração gradual da camada pré-sal. Mas preços mais baixos de energia poderiam acelerar a expansão. Se houvesse redução de encargos e tributos e preços de energia elétrica e gás natural, a economia poderia se expandir 6,18% anuais -1,2 ponto percentual a mais que o cenário de preços mais elevados. Haveria um acréscimo de R$ 695 bilhões ao PIB brasileiro em 2020.

A vilã é mesmo a carga tributária que incide sobre a energia. No final do governo Lula, em 30 de dezembro de 2010, a Reserva Global de Reversão (RGR), encargo que deveria ter sido extinto naquela ocasião, foi prorrogado até 2035. Criado em 1957 para cobrir custos de eventuais reversões de concessões do setor elétrico, o encargo corresponde a 1,27% da tarifa de energia. Criada em 1973, a Conta de Consumo de Combustíveis Fósseis (CCC) foi instituída para o financiamento de custos com a geração de energia à base de combustíveis fósseis, principalmente nos sistemas isolados situados basicamente na região Norte, isolada do resto do país.

Nos últimos anos, linhas de transmissão estão sendo construídas permitindo a interligação entre a região e o resto do país, mas o encargo não está nem perto de chegar ao fim: só irá expirar em 2022.

Se o preço da energia para as empresas é um entrave, uma notícia no mais recente leilão realizado pela Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE), órgão estatal de planejamento, mostrou uma tendência inimaginável dez anos atrás: os 44 projetos de fontes eólicas contratados no certame somaram mil MW de potência e foram negociados ao preço médio de R$ 99,58 o MWh. O valor ficou abaixo de todas as outras fontes negociadas.

A energia da biomassa e a hídrica foram negociadas a R$ 102, enquanto as térmicas a gás natural foram comercializadas a R$ 103 no leilão de empreendimentos que entrarão em operação daqui a três anos, em 2014. O leilão aconteceu em agosto e surpreendeu as fontes do setor.