Título: Cooperação Sul-Sul: o jogo de sempre ou um novo paradigma?
Autor: Andrade, Melissa
Fonte: Correio Braziliense, 30/08/2010, Opinião, p. 15

Ultimamente temse falado sobre novo e promissor espaço para a Cooperação Sul-Sul, gerando muita expectativa por parte das economias emergentes.

Países como o Brasil, Índia, China e África do Sul buscam nova identidade para sua inserção no cenário internacional diferentemente do que a história costumava reproduzir.Mas do que estamos realmente falando? Estamos esperando mudanças reais do paradigma de cooperação internacional ou estamos reproduzindo as mesmas velhas práticas da ajuda dos países desenvolvidos aos em desenvolvimento? Quais são os modos de cooperação escolhidos pelos países emergentes na busca pelo crescimento e combate à pobreza? Será que de fato esse jogo mudou? Em primeiro lugar, a Cooperação Sul-Sul (CSS) parece estar ajudando a alterar o papel do Estado. A atitude é a de que devemos gerir o nosso próprio negócio. O impasse da RodadadeDoha e a recente crise econômica global contribuíram significativamente para o descrédito do neoliberalismo e do Consenso de Washington, que reinaram semiabsolutos por várias décadas. Indonésia, China, Turquia, Índia e Brasil vêm mostrando que a atuação do Estado é fundamental para a garantia de perspectivas de inclusão social no contexto de crescimento econômico e para a preservação da soberania econômica face a crises globais.

Em segundo lugar, está a noção de que eu deveria poder escolher meus próprios amigos.

Grupos e alianças regionais e plurirregionais estão proliferando à medida que os países procuramdiversificar parceiros políticos e econômicos.

A recente proposta de se criar uma versão da Organização dos Estados Americanos (OEA) sem o Canadá e os Estados Unidos, bem como o surgimento da aliança Índia-BrasilÁfrica do Sul (Ibas) e do grupo Brasil-RússiaÍndia-China (Bric), que se reuniu em Brasília em 2010, indicam energia renovada na organização política entre os países do Sul. Esses blocos podem ser fundamentais na construção de consenso em fóruns multilaterais mais amplos. Contudo, tais alianças podem servir apenas como espaços para trocar ideias sem efetivamente pautar a agenda internacional, caso não recebam a devida atenção por parte dos governos, dos organismos multilaterais e da academia.

Em terceiro lugar vem a ideia de pensarmos do nosso próprio jeito. A construção de um novo Consenso de Brasília, Déli ou, talvez, Pequim sobre essas questões seria importante passo na formação de princípios ideológicos que passarão a orientar o discurso Sul-Sul. No entanto, a comunidade do Sul ainda está longe de ter esse tipo de coesão; e talvez mais longe ainda de romper com o caminho imposto pela história, este que nos leva emdireção ao desenvolvimento capitalista exclusivo baseado nos ideais de consumo atuais.

Em quarto lugar, poder escolher como ajudar também é crucial. Os países do Sul já reafirmaram seu desejo de focar no desenvolvimento. É possível observar que as reuniões de alto nível entre países emergentes reforçaram a cooperação guiada pelos princípios de respeito à soberania nacional, propriedade e independência nacional, igualdade, não condicionalidade, não interferência em assuntos internos e benefícios mútuos. De fato, vários países estão agora revendo suas estruturas de cooperação técnica para o combate da pobreza em outros países. Umexemplo é aMalásia, que, com o suporte do Pnud, está estudando novas maneiras de executar a cooperação Sul-Sul dentro de um contexto mais amplo de desenvolvimento. De acordo com relatório de 2009 do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, os principais prestadores de ajuda para o desenvolvimento no Sul são, além do Brasil, a China, Índia, Arábia Saudita e Venezuela, sendo que as quantias poderão chegar a US$ 15 bilhões até 2011.

Éimportante observar que, além da proteção social e combate à pobreza, áreas tais como acesso a medicamentos essenciais e fontes de energia renováveis foram incluídas no debate entre os emergentes. Porém, ainda é muito cedo para responder à pergunta feita no título deste artigo.Odiscurso e a prática da CSS estão sendo construídos progressivamente.Há indícios concretosdequeumaarticulação políticadealto nível vemacontecendo e que o intercâmbio intelectual está apenas começando.Novos modelos e paradigmaspodemestar surgindo.