Título: Ambiente externo piorou, mas é incerto
Autor: Ribeiro,Alex
Fonte: Valor Econômico, 02/09/2011, Finanças, p. C3

O corte na taxa básica de juro foi uma aposta do Banco Central (BC) de que a recente deterioração na economia mundial vai reduzir a inflação em escala global e, por tabela, no Brasil. Há muitas evidências que apoiam o diagnóstico do BC, mas alguns dados divulgados nesta semana alimentam dúvida se as economias avançadas vão mesmo afundar e se a inflação vai cair.

O cenário internacional piorou desde a reunião anterior do BC, de julho. Ontem, o escritório do orçamento da Casa Branca reduziu de 2,7% para 1,7% sua projeção de crescimento da economia americana neste ano. Estatísticas recentes revelaram que o PIB cresceu menos do que o inicialmente estimado no primeiro trimestre, e houve uma desaceleração no segundo trimestre.

No começo do ano, a leitura corrente era de que o crescimento havia desacelerado em virtude de fatores transitórios, como o terremoto no Japão e a alta dos preços do petróleo. Mais recentemente, o presidente do Fed (Federal Reserve, o BC americano), Ben Bernanke, admitiu que fatores estruturais, como a debilidade do mercado imobiliário, poderiam estar segurando a economia.

O que já era ruim pode ter piorado entre fins de julho e começo de agosto, com a deterioração da confiança dos consumidores e empresários. O mercado financeiro sofreu forte volatilidade com os riscos de default na periferia da Europa, com as incertezas sobre o aumento do teto da dívida pública nos Estados Unidos e o rebaixamento da avaliação de risco do país pela S&P.

O crescimento da Europa também desacelerou. A zona do euro cresceu apenas 0,2% entre o primeiro e o segundo trimestres, bem abaixo do 0,8% no período anterior. Cresceram as apostas de que, depois de duas altas neste ano, o Banco Central Europeu (BCE) vai interromper o seu ciclo de aperto monetário.

Também se espera desaceleração na China e outros emergentes que, a exemplo do Brasil, agiram contra a inflação. Num importante discurso no sábado no simpósio de Jackson Hole, a chefe do FMI, Christine Lagarde, disse que os emergentes correm riscos. "O "descolamento" é um mito", afirmou. "Se as economias avançadas sucumbirem, os emergentes não vão escapar."

"Não sou da visão de que o chamado ambiente global é tão ruim que o BC vá cortar os juros em todas as reuniões", afirmou em nota Benoit Anne, estrategista-chefe para países emergentes do Société Générale. "Vai ser relativamente gradual."

Nos últimos dias, uma pequena safra de indicadores mostrou algum alento. O índice de atividade industrial americano (ISM) recuou de 50,9% para 50,6% entre julho e agosto. Houve queda, mas o indicador superou os 49% esperados pelo mercado e continua acima de 50%, o que indica expansão.

Na segunda, outro conjunto de dados mostrou que os gastos dos consumidores americanos aumentaram 0,5% em julho, maior avanço em um ano e meio. "Isso torna altamente improvável que o crescimento econômico vá ficar negativo nesse trimestre", afirmou em nota o economista Dean Baker, do Centro para a Pesquisa Economica e de Políticas (CEPR, na sigla em inglês).

Estatísticas divulgadas anteontem mostram que na Alemanha a taxa de desemprego caiu para 7%, menor patamar desde a unificação do país, em 1991.

Outra questão é se a inflação irá mesmo cair em escala global. "A economia mundial desacelerou, mas a inflação continua alta", afirma John Welch, estrategista para países emergentes da Macquaire Capital, de Nova York. Também há dúvidas se, caso a inflação mundial caia, o problema inflacionário brasileiro será resolvido. "O BC age como se o problema fosse apenas a inflação importada, quando não é apenas isso", disse Welch.