Título: Falta transparência na decisão do financiamento de campanha
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 31/08/2011, Opinião, p. A10

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado decide, hoje, se passou ou não o projeto que institui o financiamento público das campanhas eleitorais, em votação realizada no último dia 24. É patético. Uma semana depois, os senadores não sabem se aprovaram ou não talvez a mais importante mudança proposta na atual rodada de discussão a respeito da reforma política.

Na sessão do dia 24 passado, a CCJ votou o parecer do senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) sobre a proposta de reforma feita por comissão especial do Senado instituída pelo presidente da Casa, José Sarney. Os senadores presentes derrubaram o relatório de Aloysio Nunes, que era contrário à adoção do financiamento público das campanhas.

Derrubado o parecer do tucano, em seguida a CCJ apreciou e rejeitou o voto em separado do senador José Pimentel (PT-CE), que também instituía o financiamento público, mas mantinha aberta a porta para as doações privadas aos candidatos. O presidente da CCJ, Eunício Oliveira (PMDB-CE), determinou então o arquivamento da proposta.

Diga-se, a bem da verdade, que muitos senadores deixaram a sessão achando que haviam aprovado o financiamento público, por entenderem que a recusa dos pareceres de Aloysio Nunes e José Pimental significava automaticamente a aprovação do texto original da comissão especial, este sim favorável à nova forma de financiamento.

Os especialistas em regimento do Senado esclareceram, no entanto, que a recusa dos dois pareceres não significava que o texto da comissão especial estava aprovado. O regimento, explicaram, amparava a decisão de Eunício de arquivar a matéria. Foi o que todos os jornais publicaram no dia seguinte: o projeto de financiamento público das campanhas fora rejeitado com o voto de minerva do presidente da CCJ - que teria sido desnecessário se o senador Aécio Neves (PSDB-MG), contrário à nova modalidade de financiamento, não tivesse se ausentado justamente na hora da votação.

O entendimento parecia estabelecido, quando o líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), decidiu questionar o resultado declarado por Eunício. Segundo a interpretação do pemedebista, a recusa dos pareceres de Aloysio Nunes e de Pimentel significa sim a aprovação do texto original da comissão especial.

Pode ser que o líder tenha razão. A questão, porém, não é técnica. Trata-se de uma questão política: a Comissão de Constituição e Justiça do Senado não tem o direito de impor ao país mudança dessa relevância, sem que seus próprios integrantes saibam o que foi aprovado ou rejeitado na sessão do dia 24. A CCJ deve à Nação uma votação transparente sobre a adoção do financiamento público de campanha.

A reforma política é assunto sério e não pode ficar à mercê de golpes de mão desferidos sem o conhecimento da sociedade. O financiamento público de campanhas não pode ser decidido no tapetão, para usar uma figura de linguagem futebolística, que ainda andou em moda nos meios políticos. Principalmente quando a sua instituição é reivindicada à luz do argumento de que o gasto público será mais barato do que a corrupção deslavada nos governos, cuja origem mais remota seria o financiamento privado das eleições.

Pior ainda: o financiamento público das campanhas eleitorais está entrando pela porta dos fundos da reforma política. Na verdade, o que a nomenclatura dos grandes partidos, especialmente o PT, quer ver aprovado é o voto em lista fechada, pelo qual o eleitor vota no partido e este estabelece a ordem, na lista, dos candidatos de sua preferência.

Os caciques não tardaram a perceber que a opinião pública torceu o nariz à ideia de entregar seu direito de escolher o candidato que julga mais apropriado para as direções partidárias. Mudou-se então a tática e passou-se a vender a tese, mais popular, do financiamento público - aprovado este, a adoção do voto em lista viria quase que por gravidade.

Não se discute aqui o mérito da proposta de financiamento público das campanhas para a moralização da coisa pública. Inadmissível é que um modelo com tantas virtudes seja imposto enfiado goela abaixo do eleitor, sem ao menos uma votação transparente do Congresso.