Título: Administração da dívida mobiliária impõe desafios
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 17/05/2011, Opinião, p. A10

Depois de ter diminuído no começo do ano, a dívida pública mobiliária voltou a crescer em março e, provavelmente, mais em abril, superando o pico de dezembro. A alta da inflação e o aumento da taxa de juros estão cobrando seu preço dos administradores da dívida, inflando o estoque de títulos públicos. Ao mesmo tempo, volta a tendência de deterioração da composição da dívida, com o aumento da participação dos papéis indexados à taxa Selic e a índices de preços.

O estoque total de títulos em poder do público chegou a R$ 1,695 trilhão em março, superando ligeiramente o pico de dezembro, de R$ 1,694 trilhão.

No início do ano, parecia que o Tesouro Nacional tinha melhor controle da dívida. Os resgates superaram as novas emissões e o estoque havia diminuído para R$ 1,629 trilhão em janeiro e R$ 1,672 trilhão em fevereiro.

No entanto, o aumento da taxa de juros, que começou o ano em 10,75% e já está em 12% ao ano, e das expectativas para a inflação, que eram de 5,35% em dezembro e agora superam 6,3%, tiveram impacto negativo sobre a dívida mobiliária, obrigando o Tesouro a pagar cada vez mais para vender seus papéis aos investidores. Do aumento de R$ 69 bilhões do estoque da dívida entre janeiro e março, nada menos que R$ 48,1 bilhões são juros.

A elevação da Selic e do IPCA afeta diretamente a parcela dos títulos indexados à taxa básica de juros (as Letras Financeiras do Tesouro, as LFTs) e os papéis atrelados a índices de preços (Notas do Tesouro Nacional da série B, as NTN-Bs).

No patamar atual, o estoque total da dívida mobiliária ainda está confortável nos limites estabelecidos pelo Plano Anual de Financiamento (PAF). Na verdade, está perto do limite inferior que é R$ 1,694 trilhão e bem distante do R$ 1,930 trilhão do superior.

No entanto, a composição da dívida deixa a desejar. Em março, o percentual de títulos indexados à taxa Selic estava em 32,34%, bem próximo do limite superior de 33% fixado pelo PAF e distante do piso de 28%. No fim de 2010, os papéis corrigidos pela Selic representavam 30,8% do estoque total de papéis em poder do público - sem contar, portanto, com os títulos em poder do Banco Central, utilizados em operações compromissadas, que somavam R$ 706,37 bilhões em março e são eminentemente corrigidos pela Selic. Há um ano, porém, os títulos corrigidos pela Selic chegavam a representar mais de um terço do estoque total, mais exatamente 34,58%.

Os papéis atrelados a índices de preço também ganham espaço neste momento de insegurança em relação ao comportamento da inflação. Em março, os títulos que garantem ao investidor um retorno que acompanha a variação da inflação representavam 28,33% do estoque total, perto do teto de 29% e bem acima do piso de 26% previsto pelo PAF. Em dezembro, quando a expectativa com a inflação era mais otimista, esses papéis compunham apenas 26,6% do estoque da dívida mobiliária federal.

Os papéis atrelados à Selic e a índices de preços são mais atraentes para os investidores em momento de maior risco. As LFTs, por exemplo, foram criadas há cerca de 25 anos para viabilizar a administração da dívida pública em um momento de inflação elevadíssima, o que não é absolutamente o caso agora, embora os preços ao consumidor estejam em alta. Mas elas continuam existindo e fazem grande sucesso junto aos investidores. No entanto, são perniciosas para a boa administração da dívida pública e encarecem o financiamento das necessidades do governo, repassando quase que instantaneamente qualquer mudança de humor do mercado.

Por isso, é antigo desejo do governo ampliar a parcela dos títulos prefixados, mais adequados à administração da dívida mobiliária federal. O último PAF, por exemplo, sinaliza a intenção de que os papéis prefixados componham de 36% a 40% do estoque total da dívida mobiliária. A realidade, porém, está decepcionando. No fim de 2010, os administradores estavam enquadrados com 36,6% do estoque total em papéis prefixados; agora, porém, o percentual caiu para 34,56%.

Também contribuiu para o aumento da dívida mobiliária no mês passado a necessidade de capitalização do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Do total de R$ 6,87 bilhões de emissões líquidas de março, R$ 5,25 bilhões foram recursos levantados para o BNDES. Medida provisória de 2010 havia autorizado o Tesouro a emprestar até R$ 30 bilhões para o banco oficial. A instituição já havia recebido R$ 24,75 bilhões no ano passado e o total foi agora completado.

Por esses motivos, será necessário muito esforço para a dívida mobiliária recuperar a boa forma.