Título: Ainda falta ao Brasil estratégia para China
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 04/04/2011, Brasil, p. A2

Enquanto o planejamento no Brasil sofre pela desmoralização dos projetos não cumpridos, prioridades distorcidas e descontinuidade administrativa, na China ele é fonte confiável de avaliação dos rumos do país, que acaba de concluir seu plano para o período que vai deste ano até 2015. É com base nesse plano quinquenal, divulgado na imprensa chinesa e votado na Assembleia Popular Nacional, que a China estabelece suas prioridades, alianças, acordos. No Brasil, o evidente interesse pela China, é guiado por planos vagos, ou desconectados.

Logo após eleita, quando se falava em certos gabinetes do Palácio do Planalto em uma "reaproximação" com os Estados Unidos, a presidente Dilma Rousseff fez saber a seus auxiliares que só imaginava uma viagem aos EUA acompanhada de outra para a China - uma maneira de sinalizar o interesse brasileiro em explorar igualmente as possibilidades dos dois polos de poder mundial, a potência hegemônica e a principal emergente. Dilma também indicou que os temas ciência e tecnologia estarão entre os principais eixos da conexão chinesa, ainda que não seja claro, ainda, o que isso significa.

Quem quiser saber o que o governo brasileiro quer da China terá de peregrinar por diversos gabinetes além do óbvio Itamaraty; do Ministério de Ciência e Tecnologia ao do Desenvolvimento, da Agência de Promoção de Exportações (Apex) à Agência Espacial Brasileira (AEB). Antes tema prioritário da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), nas gestões de Mangabeira Unger e Samuel Pinheiro Guimarães, a China é hoje assunto de encontros protocolares por lá.

Como apontou o então ministro de Relações Exteriores Celso Amorim, pouco antes de deixar o governo, faltou ao país uma estratégia para a China. Ainda falta. Existem ações fragmentadas por diversas áreas do governo, reunidas agora em uma agenda comum para a visita presidencial ao país.

A falta de uma estratégia voltada aos chineses não ocorre por falta de inteligência. Com apoio da embaixada brasileira em Pequim e dos consulados do país na China, tanto o Departamento de Promoção Comercial quanto a Apex desenvolveram programas para explorar nichos de maior valor agregado no crescente mercado chinês; no campo científico, especialmente no programa espacial, há contato permanente, ainda que dificuldades orçamentárias e tecnológicas tenham criado tropeços na cooperação bilateral. Uma estratégia para a China, porém, é mais que cooperação entre universidades e a busca de nichos de mercado nos quais o país possa aproveitar vantagens competitivas existentes.

No campo acadêmico, além da ebulição de estudos e seminários sobre China em centros privados, o país começa a ter diplomatas com conhecimento mais profundo sobre o gigante asiático, como Oswaldo Biato Júnior, autor de um livro essencial, A Parceria Estratégia Sino-Brasileira, Origens, Evolução e Perspectivas (1993-2006)", da Fundação Alexandre Gusmão, por resumir magistralmente em 437 páginas (nada é pequeno quando relativo à China) a história recente das relações bilaterais.

No livro, o ex-embaixador chinês no Brasil, Gao Kexiang critica os empresários brasileiros porque, diferentemente dos empreendedores de outros países, relutam em "sair debaixo da saia do governo", após receberem um empurrão governamental para entrar no mercado chinês.

A falta de empenho do setor privado é real, embora também haja casos como o da Marcopolo, fabricante de carrocerias, que há anos se debate com a burocracia chinesa para instalar uma fábrica no país (e que, comenta-se no governo, descobriu estupefata uma de suas amostras de produto desmontada, sob análise de vários técnicos chineses, durante visita surpresa ao galpão onde estavam armazenadas as carrocerias enviadas como modelo).

A China, em seu plano plurianual, sabe o que quer do Brasil: matérias primas para se desenvolver. E tem criado iniciativas de comércio, investimento em infraestrutura e até apoio financeiro, como o empréstimo concedido à Petrobras. O Brasil quer efetuar vendas de maior valor agregado à China. Mas, descontados heroicos esforços de promoção comercial, não tem um plano abrangente para chegar lá.

O economista Antônio Barros de Castro, hoje consultor do Conselho Empresarial Brasil-China, vem advertindo para a necessidade de planejar a relação do Brasil com os chineses levando em conta as enormes mudanças no cenário econômico mundial provocadas pela emergência da Ásia como grande centro integrado de produção manufatureira, centro de migração rural para os centros urbanos e crescente consumidor de matérias-primas. Nesse cenário, o Brasil, como grande produtor de commodities (ferro, soja, petróleo) tende a se dividir (e já vem se dividindo) em duas metades, uma beneficiária da emergência chinesa - asiática, na verdade - e outra ameaçada pela mudança de preços, pela inevitável valorização do câmbio e pela extraordinária eficiência da competição oriental.

Nesse cenário, previne Castro, o Brasil deveria aproveitar sua receita de commodities para financiar uma transição industrial, voltada a produtos e processos dinâmicos, de alta tecnologia, capazes de se integrar competitivamente às cadeias produtivas asiáticas. "O Brasil tem de levar propostas para os próximos dez, quinze anos", defende o economista. "Quanto mais profundo for o estudo e maior o prazo para essas propostas, maior a receptividade dos chineses", diz, baseado no que acompanhou, na China, do processo de aprovação do último plano quinquenal chinês.

Não consta, infelizmente, que Dilma Rousseff esteja levando algo tão elaborado na bagagem para Pequim.

Sergio Leo é repórter especial e escreve às segundas-feiras