Título: O bom motivo da viagem de Obama
Autor: O'Grady, Mary Anastasia
Fonte: Valor Econômico, 21/03/2011, Opinião, p. A15

A viagem desta semana do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ao Brasil, Chile e El Salvador, enquanto a guerra se intensifica na Líbia, vem sendo bastante criticada como prova de uma indiferença perigosa em relação a um mundo que necessita muito da liderança dos EUA.

Mesmo assim ela é justificada - pelo menos no caso do Brasil. Sem dúvida, a ida a Santiago e San Salvador poderia ter sido adiada. O Chile já é um aliado estável e a parada em El Salvador, para a discussão de superficialidades sobre a segurança no continente enquanto a América Central arde nas chamas do narcotráfico, somente reforça a futilidade da guerra movida pelos EUA contra as drogas.

Por outro lado, a viagem a Brasília no sábado para um encontro com a presidente Dilma Rousseff, do PT, foi importante.

Infelizmente, Obama desacreditou sua viagem - antes mesmo de ela começar - ao vendê-la como uma missão comercial para criar empregos a estimular a economia dos EUA. Com esses objetivos em mente, melhor seria ele ter ficado em casa fazendo lobby no Congresso para derrubar a tarifa de US$ 0,54 por galão de 3,79 litros imposta sobre o etanol brasileiro e acabar com todos os subsídios americanos ao algodão, que foram declarados ilegais pela Organização Mundial do Comércio (OMC) no caso levantado pelo Brasil. Ou ele poderia ter enviado os acordos de livre comércio com a Colômbia e o Panamá para o Congresso, onde eles teriam sido facilmente ratificados.

Vamos admitir: a reputação que Obama tem de ser protecionista o precede. Se ele acredita o contrário, o persuasivo presidente americano é insensível.

Quanto ao bom motivo para uma viagem dessas, considere os interesses geopolíticos compartilhados pelos EUA com a maior democracia da América Latina. Embora o presidente anterior, o também petista Luiz Inácio Lula da Silva, quase nada tenha feito para desregulamentar uma economia que na maioria das vezes não é aberta em seus oito anos no cargo, ele respeitou as reformas realizadas no Banco Central pelo seu antecessor Fernando Henrique Cardoso. Em consequência, após décadas de caos inflacionário provocado pelo financiamento do BC dos déficits do governo, o Brasil desfruta agora de uma muito melhor estabilidade dos preços há mais de uma década. O fim do ciclo de repetidas desvalorizações permite a formação de uma classe média substancial, e isso está moldando uma nação que quer cada vez mais ser parte da economia moderna e globalizada.

A saída de milhões de brasileiros da pobreza é algo para ser celebrado. Mas isso é um problema quando a liderança de um gigante anteriormente adormecido e isolado anuncia que vai buscar alianças com tiranos. Foi isso o que aconteceu durante o mandato de Lula. Lula tinha uma queda por tiranos. Considerando suas raízes no movimento trabalhista de esquerda, a afinidade com o ditador cubano Fidel Castro era compreensível. Mas sua decisão de agir como agente de propaganda do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, no cenário mundial, não. Felizmente, ela não surtiu efeito. Por outro lado, seu apoio a Hugo Chávez - que é antidemocrático em casa e apoia terroristas colombianos além de suas fronteiras - prejudicou os esforços multilaterais para a contenção da ameaça venezuelana.

Agora, Dilma Rousseff quer desenvolver uma nova política externa que, embora longe de se alinhar com os EUA, não deverá acalentar ativamente ditadores e déspotas. Os EUA precisam estimular esse esforço. Na luta pela estabilidade no continente, o Brasil é um participante crucial.

Esperava-se que, como presidente, Dilma, que já fez parte de um grupo de guerrilha marxista, iria ficar mais a esquerda ideológica que seu antecessor e ser tão perigosamente populista quanto ele. Mas até agora ela tem se mostrado pragmática. Enquanto o carismático Lula gostava dos holofotes, ela mantém um perfil reservado. Quando fala, ela é séria e cuidadosa. Lula reclamava ruidosamente das críticas que recebia dos meios de comunicação e queria restringir a liberdade de imprensa. Dilma vem rejeitando a ideia.

É uma velha tradição brasileira reservar o Ministério das Relações Exteriores para a esquerda excêntrica do país. Isso e a ambição brasileira, testada pelo tempo, de derrotar a hegemonia americana na região, é uma maneira de explicar o apoio do governo Lula a déspotas. O Brasil também possui contratos comerciais valiosos com a Venezuela. Mas Dilma parece ter decidido que a abordagem de Lula era contraproducente, especialmente para a meta do Brasil de ganhar um assento permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas.

Pouco depois de vencer as eleições, em 31 de outubro, ela começou a criticar os históricos de direitos humanos do Irã e Cuba, algo que Lula nunca teve coragem de fazer. Outro sinal importante, embora sutil, é a maneira com que Dilma parece estar se distanciando de Chávez e seu grupo.

Se o Brasil está querendo se reaproximar dos EUA, isso é um acontecimento bem vindo para todo o continente. Como aliado em questões fundamentais, como a oposição à tortura nas prisões cubanas, o Brasil poderá ser parte de uma longamente aguardada iniciativa regional para denunciar os abusos dos direitos humanos. Isso também poderá ser útil no ano que vem, quando a Venezuela realizará eleições presidenciais. Chávez já disse que mesmo que perder, não vai sair, e o comandante das forças armadas concorda.

Isso poderá criar uma situação não muito diferente da que se desenrola hoje na Líbia. Se os EUA e o Brasil estiverem cantando a mesma música, isso vai ajudar.

É uma pena apenas que o presidente americano, que estava começando uma guerra, não tenha tido o bom senso de retornar a casa depois da reunião em Brasília.

Mary Anastasia O"Grady é editorialista do The Wall Street Journal