Título: Desafios do setor elétrico
Autor: Landau, Elena
Fonte: Valor Econômico, 14/01/2011, Opinião, p. A10

A presidente Dilma Rousseff ganhou notoriedade quando foi Ministra de Minas e Energia. Mesmo na Casa Civil, ela não deixou de olhar para o setor. Assim, é alvissareiro que o país tenha no comando uma pessoa que entende profundamente das questões de energia. Nem por isso, pode-se deixar de lado alguns temas que demandam ajuste e atenção imediatos, porque geram insegurança jurídica aos agentes do setor prejudicando o ritmo de investimentos. Destacaria duas questões principais: tarifas de energia elétrica e vencimento dos contratos de concessão em 2015.

A política tarifária vem sendo marcada por contradições e instabilidade. Contraditória porque se, de um lado, o governo tem obtido êxito na busca de reduzir preços nos leilões de energia nova, por outro lado, o mesmo governo aumenta sem justificativa o já elevado nível de encargos e tributos que incidem sobre as tarifas. No ano passado, CCC (Conta de Consumo de Combustíveis Fósseis) e RGR (Reserva Global de Reversão) foram renovados e ampliados sem a menor necessidade e, pior, os recursos arrecadados utilizados para finalidades diferentes daquelas para as quais foram originalmente criados. Ainda mais grave, em ambos os casos as mudanças vieram na carona de Medidas Provisórias que tratavam de temas diversos apenas para criar encargos para os quais não havia nem emergência nem necessidade.

A CCC é uma contribuição que vinha se reduzindo e deveria terminar na medida em que a interligação da Região Norte com o Sistema Nacional (SIN) através da construção das novas linhas de transmissão retirava a própria essência de sua existência. Isso porque o óleo combustível deixaria de ser fonte primária das regiões do então "sistema isolado". Mas a contribuição não só foi renovada como ampliada e serviu, em boa medida, para compensação fiscal para os estados da região que perderiam na arrecadação do ICMS com a queda da demanda de óleo. Além de se tratar de um a questão fiscal e tributária, para a qual não se deveria utilizar política tarifária, é difícil compreender porque os usuários do serviço de energia elétrica das outras regiões devem pagar por essa compensação. Infelizmente, a MP 466, já foi convertida na Lei nº 12.111.

No último dia do ano o governo renovou a RGR, e uma vez mais por meio de medida provisória, a MP 517. Mas neste caso ainda é possível que o erro seja corrigido no projeto de conversão em lei. Esse encargo foi criado para financiar indenizações a concessionárias em caso de reversão de bens à União ao fim do prazo da outorga e sua cobrança estava prevista para ser encerrada, conforme a Lei 10.438/2002. Desde sua criação em 1957 a RGR vem sendo utilizada para outros fins que não o pagamento em caso de reversão. E agora sua renovação usa como motivação a necessidade de arrecadar recursos para o programa Luz para Todos. Novamente, uma iniciativa sem justificativa, pois o Fundo RGR dispõe atualmente de cerca de R$ 17 bilhões acumulados e já existe um encargo para financiar tal programa que é a CDE, Conta de Desenvolvimento Energético. Aliás, como o programa de universalização deve estar se completando ainda no ano de 2011, qual a necessidade de se levantar R$ 40 bilhões até 2035?

Provavelmente na tentativa de anular os efeitos desses aumentos- desnecessários, o órgão regulador propôs no 3º ciclo de revisão tarifária uma redução substancial da rentabilidade de setor distribuição de energia. A cada quatro anos a Aneel, por meio do mecanismo de revisão tarifária, reequilibra os contratos de concessão*. Os contratos de concessão não detalham a forma da revisão, ela ficou a cargo da regulação. No entanto, a cada ciclo de revisão as regras definidas pelo regulador mudam, gerando instabilidade. Aos poucos foram sendo eliminados os incentivos aos ganhos de produtividade, ideia pilar da nova política de tarifas imposta pela Lei 8631/93 que eliminou o sistema de tarifa pelo custo. Na rodada atual a substancial redução da remuneração de capital prevista para as concessionárias é tão grave que fusões vêm sendo anunciadas como forma de se obter ganhos de escala para compensar a perda de capacidade de financiamento das concessionárias e, por consequência, de investimento no setor. Quando se chega neste ponto parece ser hora dos órgãos de defesa da concorrência conversarem com a Aneel para definir qual a melhor política regulatória para os usuários: concentração ou uma justa remuneração do capital?

Ano passado, uma CPI foi instalada para tentar entender o por quê do nível elevado das tarifas, mas passou ao largo da raiz do problema; os impostos que incidem sobre este serviço essencial, pois encargos e tributos respondem por metade da conta de luz.

O segundo tema já foi exaustivamente discutido. A falta de clareza em relação ao tratamento a ser dado aos contratos de concessão que vencem em 2015 é preocupante. Ela afeta diretamente o dia a dia das empresas porque a incerteza jurídica e regulatória pode causar a redução dos investimentos. Como investir se não se sabe as regras para indenização em caso de reversão dos bens à União?

Por algumas declarações feitas pelo governo até hoje, tudo indica que haverá a prorrogação desses contratos, mesmo porque a essa altura não há mais tempo hábil para preparar tantas licitações. Mas para isso é necessária uma proposta legislativa, pois as regras atuais não permitem nova prorrogação. Por mais de dois anos o setor discutiu o tema com Executivo e há vários projetos de lei em tramitação que tratam do tema da prorrogação dos contratos de concessão do setor elétrico. Mas não há nesses projetos definição em relação às condições para que a prorrogação ocorra como, por exemplo, o custo dessa renovação, critério para reversão de bens para União, preços da energia a ser vendida pelos empreendimentos que tiverem contratos prorrogados, garantia de isonomia entre empresas públicas e privadas e entre agentes do mercado cativo e livre.

Só o Executivo não se pronuncia oficialmente. Será que este tema não é muito mais urgente e relevante que a renovação de encargos desnecessários?