Título: O Brasil pode ter uma meta de crescimento
Autor: Volpon, Tony
Fonte: Valor Econômico, 15/09/2010, Opinião, p. A14

Diz o ditado popular que "em time que está ganhando, não se mexe". O caso do crescimento recente da economia brasileira, beirando a "níveis chineses" de 9% ao ano, parece recomendar que não deveríamos mudar nada no atual gerenciamento da macroeconomia.

Infelizmente, o problema é que, em nosso no caso, diferentemente da China, esse nível de crescimento já provou ser insustentável. Nosso "Pibão" do início do ano deve sofrer forte redução de tamanho nos próximos trimestres, e isso sem ainda sentir-se os recentes aumentos da taxa Selic. Como já verificado na última ata do Comitê de Política Monetária (Copom), fica aparente que muito do crescimento acelerado que o Brasil acabou de ter foi devido a fatores transitórios. O fato é que, apesar do Brasil gozar do melhor ambiente mundial em mais de 30 anos, com sua economia fortemente estimulada pelo crescimento asiático e sua demanda insaciável por nossas matérias-primas, nosso crescimento sustentável não passa de 5% ao ano, na melhor das hipóteses.

O atual "tripé" macroeconômico tem ajudado o Brasil bastante. O sistema de metas de inflação, apesar de muito criticado por alguns, tem garantido estabilidade inflacionária, algo nada desprezível para um país com o nosso histórico. A política fiscal com meta de superávit primário tem garantido a solvência da nossa dívida, também algo nada desprezível, se pensarmos sobre a atual situação de muitos outros países e a crise que nos assolou nos anos 80. E o sistema de câmbio flutuante, também muito criticado, tem tido papel importante na ajuda para que a economia brasileira se ajuste a uma variedade de choques externos.

Apesar desse sucesso, nossa economia parece ainda estar fixada em um equilíbrio estável, mas ineficiente, com taxa de juros reais muito altas e uma taxa de câmbio apreciada, prejudicando nossas exportações e levando a uma incipiente desindustrialização, onde a demanda chinesa impõe uma crescente especialização na exportação de matéria-primas. Acreditamos que a situação atual é sustentada por uma variedade de fatores estruturais que podem e devem ser atacados.

Especificamente, vemos duas mudanças para iniciar o processo de transição para um novo equilíbrio com taxa real de juros menores e um nível do câmbio menos apreciado. A primeira seria uma maior coordenação entre as políticas fiscais e monetárias. Apesar de garantir solvência, a atual política fiscal tem caráter nitidamente pró-cíclico, já que, como estamos vendo agora, o aumento da receita em momentos de forte crescimento gera espaço para aumentar as despesas, pressionando a demanda agregada e forçando o Banco Central a ser mais duro com a política monetária.

O agressivo uso de instituições financeiras públicas via uma política de crédito com cunho para-fiscal aumenta ainda mais esse problema de coordenação. Além do mais, situações de excesso de demanda geram forte entrada de recursos externos dado nossa secular falta de poupança, apreciando a taxa de câmbio.

Nossa proposta é a de criar uma instância coordenadora, a que chamamos de "Conselho Econômico Nacional" ou CEN, para coordenar a execução da política fiscal e monetária, assim retirando da política monetária todo o ônus de garantir a estabilidade, muitas vezes tendo a infeliz tarefa de compensar exageros da política fiscal. O Banco Central ainda manteria sua independência operacional e teria meta de inflação decidida pelo governo, mas agora teria seu planejamento auxiliado por uma política fiscal realmente anticíclica.

A segunda proposta é abandonar o conceito de superávit primário como meta da política fiscal, adotando em seu lugar a meta de manter um superávit nominal "estrutural". O termo estrutural é usado para determinar uma situação de superávit quando a economia estiver com crescimento perto do seu potencial, abrindo espaço para déficits em casos de quedas no crescimento.

Tal regra teria dois efeitos importantes sobre o nível da taxa de juros e do câmbio. Primeiro, por ser anticíclica deve garantir uma queda no prêmio embutida na curva de juros já que o Banco Central teria que mudar menos a Selic. Segundo, por garantir que durante o ciclo econômico a política fiscal teria superávit nominal como meta, isso tornaria o setor público um gerador de poupança ao longo do ciclo econômico, uma condição necessária para aumentar de forma sustentável as taxas de investimento sem ter que usar a poupança externa intensivamente, como ocorre atualmente, causando perigoso crescimento dos déficits em conta corrente. Isso deve levar a uma menor apreciação do câmbio, sem a necessidade de artificialismos como defendido por muitos críticos da atual política econômica ou o elevadíssimo custo fiscal da atual política de acumulação de reservas do Banco Central.

Essas duas propostas no âmbito macroeconômico levariam, no nosso entender, a um fortalecimento no "tripé" macroeconômico, dando ao Brasil a possibilidade e número de instrumentos necessários para, de forma consistente e sustentável, trabalhar com uma meta de crescimento junto com uma meta de inflação, tendo como resultado uma taxa de juros menor e uma taxa de câmbio menos apreciado, possibilitando um desenvolvimento econômico realmente sustentado, mudando os atuais fatores estruturais que sustentam um equilíbrio perverso de juros altos e câmbio, sem artificialismo. Nesse novo arranjo institucional de coordenação entre as políticas fiscais, monetárias e cambiais, o Brasil teria uma mudança de regime equivalente ao visto na implementação do Plano Real.