Título: De presas a predadores
Autor: Marcilio, Rodrigo
Fonte: Valor Econômico, 12/07/2010, Opinião, p. A10

As multinacionais brasileiras tendem a retomar seus projetos de internacionalização

Recentemente, o Banco Central (BC) revisou as projeções relativas ao chamado investimento brasileiro direto, que indica o montante aplicado por empresas brasileiras no exterior, de US$ 5 bilhões para US$ 15 bilhões. Embora seja um número bastante inferior ao recorde de US$ 26 bilhões atingido em 2006, trata-se de claro indicativo no sentido de que, passada a fase mais aguda da crise econômica mundial, as multinacionais brasileiras tendem a retomar seus projetos de internacionalização, voltando a considerar oportunidades de aquisição em mercados internacionais.

Nos últimos anos, temos observado importante crescimento nas operações de aquisição de companhias estrangeiras por multinacionais brasileiras, invertendo a lógica até então vigente em que as companhias brasileiras eram presas naturais no processo de investimento estrangeiro direto no Brasil. A aquisição da canadense Inco e de ativos na Guiné pela Vale, a aquisição da Anheuser-Busch pela belgo-brasileira Interbrew, a aquisição da argentina Loma Negra pelo grupo Camargo Corrêa, as recentes operações de aquisição da JBS Friboi no mercado norte-americano, a aquisição da U.S. Zinc, com operações nos Estados Unidos e na China, pela Votorantim, e a aquisição de participações relevantes pela Camargo Corrêa e pela Votorantim na portuguesa Cimpor (após frustrada oferta hostil pela brasileira CSN), são exemplos recentes desse movimento em ascensão.

Motivadas por necessidades de ganho de escala e competitividade no mercado internacional, redução do risco Brasil (mediante atuação em outros mercados relevantes) e, muitas vezes, com o objetivo de deixar de ser potencial alvo de uma aquisição para atuar como importantes players em movimentos de consolidação em seus segmentos de atuação, multinacionais brasileiras têm encontrado um ambiente bastante propício para seus recentes movimentos de expansão além das fronteiras nacionais.

Os efeitos da crise econômica mundial, sentidos de maneira mais branda no mercado nacional, aliados ao atual poder de compra da moeda brasileira e à desvalorização de determinados ativos ao redor do mundo, foram fatores que contribuíram para o aparecimento de oportunidades de aquisição a preços mais convidativos. Aliado a isso, a relativa estabilidade da economia brasileira e a maior liquidez encontrada no mercado nacional têm permitido às multinacionais brasileiras posicionar-se em pé de igualdade (e, por vezes, com significativas vantagens competitivas) em relação aos seus pares globais na identificação e consumação de oportunidades de aquisição.

Outro aspecto importante tem sido o forte incentivo do governo brasileiro, por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES), à expansão das empresas "verde-amarelas". A participação direta do BNDES em determinadas operações, como foi o caso da JBS Friboi, a criação de uma linha para financiar aquisições no exterior e a criação de uma subsidiária do banco em Londres (cujo objetivo, dentre outros, é identificar alternativas para o financiamento realizado diretamente no exterior) são claros exemplos do incentivo estatal, que tem se mostrado crucial na criação das multinacionais brasileiras.

No entanto, em que pese o ambiente favorável, é importante destacar que aquisições realizadas no exterior apresentam desafios únicos, que devem ser considerados pelos potenciais adquirentes e pelos empresários brasileiros a cargo das negociações, de forma a não comprometer o resultado dos planos de internacionalização.

O primeiro deles diz respeito às regras aplicáveis à divulgação e ao vazamento de informações ao mercado. Acostumadas às regras locais de divulgação, as multinacionais brasileiras podem surpreender-se com exigências em determinadas jurisdições. É vital para o processo de aquisição que tais requerimentos sejam entendidos e considerados desde o início do projeto, uma vez que podem afetar não apenas a cotação dos valores mobiliários das empresas envolvidas, como também os processos de aprovação da aquisição perante a agências regulatórias.

Outro fator-chave nas aquisições internacionais é a forma de pagamento utilizada pelas companhias brasileiras. A opção entre dinheiro ou ações é reiteradamente considerada pelos envolvidos em tais operações. O uso de ações de emissão da companhia brasileira como moeda de pagamento no exterior gera inúmeros debates sobre as suas implicações financeiras, legais e práticas. Acionistas de companhias internacionais podem não se interessar em ser proprietários de ações negociadas exclusivamente no mercado brasileiro ou, ainda, podem estar sujeitos a restrições legais que os impeçam de investir em determinados mercados. Como resultado, além de reduzir o incentivo para adesão de tais investidores à operação pretendida, o uso de ações pode gerar o chamado efeito "flowback", em que aqueles que aceitaram as ações de emissão da companhia brasileira como pagamento se desfazem delas após o fechamento da operação, afetando a cotação de mercado das ações de emissão da adquirente.

Aspectos tributários podem colocar a conclusão de operações de aquisição em cheque. Tributos incidentes sobre a alienação de ações, distribuições de dividendos, operações de reestruturação societária e até mesmo de constituição e registro de garantias devem ser minuciosamente estudados, de forma a executar a transação da forma mais eficiente do ponto de vista fiscal.

Aprovações prévias ao negócio pretendido, regras de divulgação ao mercado acerca da aquisição de determinada participação no capital da empresa-alvo, restrições à aquisição por empresas estrangeiras em determinados setores, aprovações a serem obtidas com agências reguladoras após o fechamento da operação, além das autorizações regulatórias necessárias no Brasil para as aquisições internacionais devem ser seriamente consideradas e tratadas no processo de elaboração de proposta de aquisição no exterior.

Aspectos e restrições concorrenciais também têm sido muito frequentes em tais tipos de operação. Recentemente, como decorrência da aquisição de participações relevantes na portuguesa Cimpor, Votorantim e Camargo Corrêa viram-se obrigadas a assinar com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica - Cade, um acordo de preservação da reversibilidade da operação, em que se comprometem a não intervir nas operações brasileiras da Cimpor. Além disso, como muitas vezes um movimento de consolidação interna precede a internacionalização da companhia, os aspectos concorrenciais ganham ainda mais relevância na estruturação da operação pretendida. Operações como a fusão entre Itaú-Unibanco e Casas Bahia e Ponto Frio, entre outras, podem representar o passo inicial de um processo de conquista de mercado internacional, e vêm atraindo cada vez mais atenção das autoridades antitruste no Brasil.

Nos próximos anos, serão cada vez mais frequentes os movimentos de aquisição, por empresas brasileiras, de competidores internacionais antes considerados predadores e que passam à condição de presa. O entendimento das questões acima será vital para o sucesso do processo.