Título: Disputa presidencial ameaça paz no Piauí
Autor: Costa , Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 21/06/2010, Política, p. A5

Era para ser um encontro de "jovens empreendedores" do Nordeste com os candidatos a presidente da República. O tucano José Serra foi ao Piauí, presença confirmada quase à última hora. A candidata do PT, Dilma Rousseff, não foi mas enviou uma mensagem aos empresários, também de última hora. O ex e o atual governador do Estado, Wellington Dias (PT) e Wilson Martins (PSB), respectivamente, também foram ao evento, mas bateram em retirada antes da fala de Serra.

Uma descortesia, para os anfitriões. Mais um lance no jogo de gato e rato que jogam PT e PSDB na eleição presidencial. Serra quase sempre demora para confirmar suas viagens, escaldado por eleições anteriores para a prefeitura e o governo de São Paulo. Militantes do PT sempre apareciam nos locais que o PSDB programara atividades. Em Salvador, uma passeata de evangélicos concorreu com a convenção que oficializou a candidatura de Serra. O PT local não quis passar em branco num evento com mais de 1 mil jovens empresários da região. Foto Destaque

A novidade foi a saída teatral de Dias e Martins: nos últimos oito anos, o PT e o PSDB do Piauí coabitaram pacificamente o governo estadual e a Prefeitura de Teresina, a capital. Um fenômeno diferente do que ocorre em São Paulo, onde o confronto entre os dois partidos é radical, ou mesmo em Minas Gerais, onde o ex-governador Aécio Neves (PSDB) e o ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel (PT) se associaram em 2008 para eleger o prefeito de BH, Márcio Lacerda - uma aliança que não prosperou até a disputa para presidente da República.

Teresina é uma singularidade na política. Num território lulista como o Nordeste, é um enclave tucano. Nem a associação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o governador do Estado nos últimos sete anos e meio, Wellington Dias, pôs um fim ao domínio de 17 anos do PSDB sobre a prefeitura local. Os números das duas últimas eleições presidenciais revelam o lulismo que se propagou no Piauí, como de resto em todo o Nordeste. Em 2002, o então candidato do PT a presidente teve 47% dos votos válidos do Estado, no primeiro turno; em 2006, na disputa contra Geraldo Alckmin, Lula já saiu com 67,3% dos votos válidos e foi a 77,3% no segundo turno.

A receita tucana em Teresina lembra um pouco o que aconteceu em Vitória, capital do Espírito Santo, onde o PSDB também partiu da prefeitura da capital para mais tarde, num processo de renovação política, conquistar o governo estadual. A diferença é que os tucanos capixabas racharam durante o processo. Na capital do Piauí, eles agora podem chegar ao governo do Estado com Silvio Mendes, prefeito da capital nos últimos seis anos. Mendes lidera as pesquisas no Estado, mas não queria disputar. Só entrou na eleição para o governo do Estado por insistência de Serra.

O domínio do PSDB em Teresina começou em 1993 com a eleição para a prefeitura de Wall Ferraz, um tucano de gênese pemedebista que já havia sido prefeito à época do regime militar. Ferraz montou uma equipe de técnicos jovens, entre os quais se sobressaíam o economista Firmino Filho, secretário de Finanças, e o médico ortopedista Silvio Mendes, secretário da Saúde, os dois graduados pela Universidade Federal de Pernambuco - foram, aliás, contemporâneos do atual governador do Estado e presidente do PSB, Eduardo Campos. Firmino ficou oito anos na prefeitura; Mendes, outros dois mandatos até deixar o cargo em março, para concorrer ao governo a pedido de Serra. "É uma política de continuidade sadia", diz Serra.

Firmino credita o sucesso ao estabelecimento de uma agenda que dizia claramente o que as pessoas deveriam esperar do prefeito: serviços sociais básicos, urbanização de vilas e favelas, bolsa-escola e orçamento popular. Uma agenda parecida com aquelas apresentadas pelo PT, que no caso do Piauí só chegaria ao poder na "onda vermelha" de 2002 com a eleição de Dias para o governo do Estado. Tanto Firmino quanto Mendes não têm o que reclamar do relacionamento administrativo Estado-município. Firmino acha inclusive que PSDB e PT têm uma agenda convergente que poderia levar as duas siglas a entendimentos proveitosos, não fosse a radicalização sobretudo em São Paulo.

Existe um padrão gerencial na Prefeitura de Teresina, mas algo mais distingue os tucanos da cidade: até agora eles parecem imunes à irresistível tentação dos políticos locais para estender ramificações familiares. Para ficar na história recente, Petrônio Portela, governador e ministro da Justiça [no governo Geisel] que operou a abertura política, nomeou um irmão para o governo estadual, Lucídio, que é pai de Iracema, mulher de Ciro Nogueira (PP), e candidata a uma vaga na Câmara, de onde Ciro pretende sair para ocupar uma cadeira no Senado.

O petista Wellington Dias deixou o governo para concorrer ao Senado e vai inaugurar a própria galeria familiar com a mulher Rejane, candidata a deputada estadual. O senador João Claudino, candidato ao governo do Estado pelo PTB, deixará em seu lugar, em Brasília, o tio Hilton, seu primeiro suplente. O patriarca da família, João Vicente Claudino, um dos homens mais ricos do Nordeste, dono dos armazéns Paraíba, deve ser o suplente na chapa de Ciro Nogueira - o afilhado do ex-presidente da Câmara Severino Cavalcanti - para o Senado. Liliana, a mulher do atual governador Wilson Martins, é candidata à reeleição na Assembleia Legislativa.

Dilma terá dois palanques no Piauí, Estado cujos indicadores econômicos melhoraram muito nos últimos anos, mas continua entre os mais pobres do país. O palanque PT-PSB terá como candidato o governador Wilson Martins e Wellington Dias para o Senado. O outro, do senador João Claudino, foi montado recentemente com a participação do ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, que aumentou seus interesses no Estado depois iniciar um namoro com uma piauiense de 23 anos - um segredo bem guardado até a semana passada, quando agitou os meios sociais e políticos de Teresina ao ser divulgado por um jornal local.