Título: Ajuste fiscal não será suficiente
Autor: Borça Jr , Gilberto
Fonte: Valor Econômico, 07/06/2010, Opinião, p. A11

O pânico gerado pelo agravamento da crise internacional, em 2008, ficou para trás. Suas consequências, porém, ainda se fazem presentes. O episódio mais recente se refere aos problemas de dívida soberana de alguns países da zona do euro, os chamados Piigs (sigla dos nomes em inglês de Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha). A situação mais crítica é a da Grécia. Ao fim de 2009, a combinação de uma relação dívida pública/PIB de 113,4% com vencimentos concentrados no curto prazo, e um déficit fiscal/PIB de 13,6%, levou o país a uma situação vulnerável. O caso da Grécia é emblemático, pois explicita as dificuldades enfrentadas pelos demais membros do grupo dos Piigs. (1)

No entanto, os problemas vão além da situação fiscal. A redução dos déficits orçamentários é condição necessária para o fim da crise das dívidas soberanas, mas não será suficiente. O entendimento central dessa questão nos remete ao início do processo de utilização do euro. A entrada dos Piigs na zona do euro teve como consequência a melhora das condições de captação dos governos junto aos mercados, com seus custos convergindo na direção dos títulos emitidos pela Alemanha. Além disso, a adoção de uma moeda única, ancorada na estabilidade e credibilidade do marco alemão, elevou o poder de compra dos agentes econômicos. Houve, portanto, um amplo impulso ao crescimento da demanda doméstica.

Esse processo minou a competitividade externa dessas economias frente à Alemanha. As majorações de preços e salários aconteceram em níveis superiores aos ganhos de produtividade. Em uma união monetária, divergências de custos domésticos entre os países signatários levam a desalinhamentos - nesse caso a apreciação - das taxas reais de câmbio. Entre 2000 e 2008, o crescimento dos déficits em transações correntes dos Piigs era o espelho dos superávits externos cada vez maiores na Alemanha.

Tal perda de competitividade externa foi fruto, também, das políticas deliberadas de contenção dos custos domésticos na Alemanha ao longo da década de 2000. Tal postura representou uma reversão às políticas expansionistas realizadas na década de 1990, que contemplavam o ônus da reunificação e da absorção da massa de trabalhadores do antigo lado Oriental.

Os Piigs, portanto, além de reduzirem os déficits fiscais, necessitam recuperar sua competitividade externa. Um ajuste fiscal estrutural cíclico somente terá êxito se vier acompanhado de algum vetor de demanda agregada que viabilize a retomada do nível de atividade. O raciocínio é simples. Ajustes fiscais são tão mais bem-sucedidos quanto maior for o crescimento da economia, pois a base de incidência das receitas orçamentárias torna-se mais elevada. Já em ambientes recessivos, apertos fiscais contribuem ainda mais para queda da atividade econômica, requerendo, posteriormente, maiores contrações fiscais. Entra-se, portanto, em um círculo vicioso.

Na zona do euro, a utilização da moeda única impede que o mecanismo clássico de recuperação da competitividade externa - via depreciação cambial nominal e elevação das exportações - ocorra. Restam a esses países duas alternativas. A primeira é implementar um rigoroso processo de ajustamento e reformas estruturais na economia, reduzindo os custos domésticos. Essa opção, no curto prazo, provocará resultados recessivos, elevando as tensões sociais e as pressões políticas. Os protestos recentes nas ruas de Atenas se intensificarão. A situação atual da Grécia é, em parte, semelhante à que a América Latina viveu na década de 1980. As chances de o país abandonar a moeda única não são desprezíveis.

A segunda opção é a combinação de financiamento a curto prazo com a adoção de políticas expansionistas na Alemanha. Quanto mais compartilhado for o processo de ajustamento, menor será o ônus em termos de nível de atividade para as economias debilitadas.

A crise da zona do euro chama atenção para outro aspecto interessante. A resposta das economias periféricas da Europa à elevação dos fluxos internacionais de capitais constituiu-se na adesão ao euro. A estratégia era reduzir o risco da ocorrência de crises de confiança ancorando suas economias no marco alemão. Como contrapartida, abdicou-se da utilização autônoma de instrumentos de políticas monetária e cambial. Se, inicialmente, esse não era um preço alto a se pagar, a crise mostra o quão importante seria, nesse momento, a utilização da política cambial como mecanismo restaurador da competitividade externa.

Em compensação, outras economias emergentes - como, China, Índia e Brasil - adotaram, cedo ou tarde, outro caminho. Ao invés de abdicarem da utilização dos instrumentos de política econômica, optaram por realizar um agressivo acúmulo de reservas internacionais. Com isso não apenas blindaram suas economias de crises semelhantes às ocorridas nos anos de 1990, mas também elevaram o grau de autonomia de suas políticas econômicas domésticas. Quando a crise financeira internacional se agravou em 2008, a capacidade de resposta desses países foi mais efetiva do que a da periferia europeia.

(1) Para maiores detalhes, vide a publicação Visão do