Título: Aval a ajuda humanitária é alvo de disputa
Autor: Junqueira , Caio
Fonte: Valor Econômico, 07/04/2010, Política, p. A9

O Palácio do Planalto se mobilizou para tentar aprovar, na manhã de hoje, um projeto de lei que autoriza o governo a fazer doações de recursos financeiros e de bens móveis a outros países, com fins humanitários. Encaminhado ao Congresso no início do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o projeto foi aprovado por unanimidade nas comissões de Trabalho e de Relações Exteriores, mas começou a enfrentar obstáculos na Comissão de Finanças e, agora, na de Constituição e Justiça.

A principal crítica é que a oposição vê nele um "cheque em branco" para que Lula possa ser benevolente com outros países, com recursos do Brasil, inclusive com o objetivo de obter algum cargo em organizações internacionais a partir de 2011, sem passar pelo crivo do Congresso, que atualmente precisa autorizar as doações feitas por medida provisória.

Entre 2007 e 2009, o gasto anual com ajuda humanitária pelo Itamaraty foi de cerca de R$ 5 milhões por ano. Em 2010, o valor previsto para esse gasto é próximo a R$ 50 milhões. O Itamaraty justifica a diferença principalmente devido ao forte terremoto que atingiu o Haiti e matou milhares de pessoas.

O governo rebate afirmando que o debate sobre o projeto foi contaminado pelo ano eleitoral e que o interesse é desburocratizar um processo de ajuda humanitária cujo eventual atraso da apreciação legislativa pode acarretar perda de vidas nos países beneficiados. Além disso, a aprovação diminuiria a edição de MPs, crítica constante de parlamentares ao Executivo, já que elas trancam a pauta de votações.

Nas duas sessões em que o projeto foi avaliado neste ano na CCJ, os confrontos entre governistas e oposicionistas foram calorosos, com menções à Bolívia de Evo Morales, à Venezuela de Hugo Chávez, ao Irã de Ahamadinejahd e aos Estados Unidos da secretária de Estado, Hillary Clinton.

"Esse projeto talvez tenha o interesse de distribuir cesta básica para o país ser membro permanente da ONU ou o Lula ter um cargo lá. Não adianta porque Hillary Clinton disse que a política externa do Brasil é risível, tem poder de veto na ONU. Só estamos passando vexame com essa política externa", afirmou o deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA).

À frente do governo na CCJ, José Genoino (PT-SP) rebateu. "Algumas cabeças da oposição estão preocupadas com o mundo porque já perderam a possibilidade de governar o Brasil. Essa ideologização lembra os anos 60 da Guerra Fria. Não vamos misturar ajuda humanitária com guerrilha, com armas", disse.

O projeto é o primeiro item da pauta de hoje da CCJ, mediante um acordo do DEM com o PT. Nas duas últimas sessões em que foi apreciado, o governo, em minoria, evitou sua apreciação em definitivo. Os dois partidos apresentaram cada qual um parecer. O da oposição foi feito DEM em março de 2009 e é pela inconstitucionalidade e injuridicidade. Alega, respectivamente, que a competência para resolver atos internacionais que acarretem encargos ao governo é do Congresso e que bens públicos não podem ser doados com caráter amplo e irrestrito.

Genoino apresentou um substitutivo no qual diz contemplar as críticas da oposição e as lacunas apresentadas pelo relator. "O que fiz no substitutivo foi explicitar o que estava implícito, para que a oposição não tenha motivos para reclamar. Isso não tem nada a ver com a ONU", diz. No texto, estabelece que apenas podem ser objeto de doação bens dominicais e que deve haver previsão orçamentária para as doações.

No início de 2010, o governo editou uma MP em que pede autorização para fazer doações ao Haiti e mais 11 países. A MP ainda não foi votada pelo plenário da Câmara, mas há quatro emendas da oposição questionando a necessidade dessas doações a outros países quando "o Brasil possui mais de 32% da população abaixo do nível de pobreza" e pedindo fiscalização da Controladoria-Geral da União nessas doações.