Título: Bullying (intimidação)
Autor: Sifuentes, Mônica
Fonte: Correio Braziliense, 10/06/2010, Opinião, p. 27

Juíza federal

Houve um tempo em que as escolas eram, depois do próprio lar, o ambiente mais seguro e saudável para uma criança. Recentemente, no entanto, os jornais começaram a divulgar casos e mais casos do chamado bullying ¿ nome em inglês para a prática de intimidação e agressão no âmbito da escola. As vítimas, em geral, são as crianças que se diferenciam das demais por altura, obesidade, cor da pele, uso de roupas ou objetos, crença religiosa ou situação socioeconômica. Outras vezes são simplesmente os tímidos, que não conseguem expressar o seu repúdio ao sarcasmo ou ameaças dos colegas.

O agressor faz com que a vítima se sinta discriminada, excluída do grupo por ser diferente ou por não apoiar as suas ideias ou dos seus seguidores. A consequência imediata da agressão é a falta de interesse em frequentar a escola, a apatia e, em casos mais graves, até o suicídio. As consequências dessa prática no futuro ainda não se sabe, muito embora especialistas afirmem que o bullying é uma marca que ficará para sempre no inconsciente daquele que o sofreu. Estudo realizado pela Universidade Federal de São Carlos revela a dimensão do problema: 47% dos alunos ouvidos afirmaram ter sido vítimas de bullying na sua escola, em pesquisa que envolveu entidades públicas e privadas.

Em maio deste ano, a Justiça produziu uma decisão inédita sobre a questão, que deverá repercutir no tratamento da matéria de agora em diante. O juiz de uma das varas cíveis de Belo Horizonte condenou os pais de um estudante de 7ª série a indenizar a sua colega de classe em R$ 8 mil, pela prática de bullying. A vítima disse que, em pouco tempo de convivência escolar, o menino começou a lhe colocar apelidos e fazer insinuações sobre a sua sexualidade. Alegou que seus pais chegaram a conversar com a direção da escola, mas não obtiveram respostas. Na sua decisão, o juiz afirmou que o ambiente escolar, ¿tradicionalmente alegre, prazeroso e liberal¿, não pode se tornar um ¿rigoroso internato, onde crianças e adolescentes devem pensar e ter a prudência de um adulto antes de brincar, ou mesmo brigar com seus colegas¿.

Por outro lado, analisando as atitudes do estudante, o juiz destacou que, apesar de ser uma criança/adolescente e estar na fase de formação física e moral, há um limite para as brincadeiras, que não deve ser excedido. Para ele, as atitudes do estudante pareciam não ter limite, considerando que, mesmo após ser repreendido na escola, continuou com a agressão. ¿As brincadeiras de mau gosto do estudante, se assim podemos chamar, geraram problemas à colega e, consequentemente, seus pais devem ser responsabilizados, nos termos da lei civil¿, concluiu.

Além de indenização por danos morais, a estudante agredida requereu a prestação, pela escola, de uma orientação pedagógica ao adolescente. Esse pedido, no entanto, não foi acolhido pelo juiz, que considerou não se dever impor ao colégio a orientação pedagógica de aluno. ¿O exercício do poder familiar, do qual decorre a obrigação de educar, segundo o artigo 1.634, inciso I, do Código Civil, é atribuição dos pais ou tutores¿, ressaltou.

Chama a atenção, na decisão judicial, a questão da fixação dos limites no comportamento dos estudantes. Não se trata de transformar o ambiente escolar em lugar que tolha a liberdade de brincar e de se divertir. No entanto, as brincadeiras se tornam excessivas quando resvalam para o desrespeito ao outro. Como realçou o magistrado, a obrigação de educar é dos pais. No entanto, temos que reconhecer que a falta de tempo para a educação dos filhos está transferindo, a cada dia mais, essa atribuição para a escola. O mundo moderno, dos questionamentos e porquês, do isolamento das pessoas em frente aos computadores, do exacerbado culto do ¿eu¿, aumentou o nosso individualismo e colocou um grande ponto de interrogação não apenas sobre qual está sendo o papel da família na educação, como também sobre qual a responsabilidade que se pode imputar à escola, nesse conflituoso processo.

O motivo que leva professores e funcionários de estabelecimentos de ensino a serem maltratados pelos alunos e em certos casos até ameaçados de morte é questão que tenta ser respondida por psicólogos e pedagogos. Certamente também estamos à espera de uma explicação razoável sobre em que momento da sociedade atual perdemos a noção de respeito e temor pelas consequências dos nossos atos. A razão que faz com que alunos humilhem, agridam e cometam violência física ou psicológica contra os próprios colegas não deve estar distante das indagações anteriores. A resposta pode estar em nós mesmos.