Título: Brasil reluta mas adere a bloco global de combate à evasão
Autor: Moreira, Assis ;
Fonte: Valor Econômico, 29/10/2009, Finanças, p. C3

O Brasil entra na luta global contra a evasão fiscal como o mais recente entre cerca de 90 países a aderir ao Fórum Mundial sobre Transparência e Troca de Informações, da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o principal mecanismo global para desmantelar essa prática que causa bilhões de dólares de prejuízos aos cofres públicos.

A OCDE estima que o pais terá vantagens para lutar contra a sonegação de impostos, com troca de informação acelerada e transparência nos regimes tributários.

"O Brasil é afetado pelos centros "offshore" e com participação ativa no Fórum vai ser capaz de fazer mais acordos com esses paraísos fiscais", diz um alto funcionário da entidade, numa alusão à resistência de certos centros bancários em concordar em dar informações. "E a transparência exigida do regime tributário dos participantes ajudará os inspetores brasileiros a melhor identificar, por exemplo, quem é o real proprietário de determinada empresa ou conta (no exterior), diminuindo a opacidade que existe hoje".

Por sua vez, o país será também mais solicitado por outros países a prestar informação automática sobre contas bancárias de empresas ou pessoas suspeitas de sonegação pelos governos. Para isso, uma delegação brasileira anunciou a OCDE, em Paris, na semana passada, que o governo vai retirar uma reserva que mantinha sobre o artigo 26 do modelo de convenção sobre renda e capital, que é a bíblia da OCDE em matéria tributária.

O Brasil e a Tailândia eram os únicos países que tinham o entendimento de que a informação automática em matéria tributária só podia ser dada a partir de processo judicial. O país demandante das informações precisaria contratar advogado, num lento processo na Justiça, e esperar autorização do juiz para o banco abrir os dados bancários dos suspeitos.

O anuncio feito a OCDE foi de que Brasil não tem qualquer impedimento para a troca automática de informação e, com o fim da reserva ao artigo 26, o terreno fica pavimentado de vez para um ação completa contra a evasão fiscal internacional.

Depois de anos de reticência, o Brasil aderiu ao Fórum após um encontro internacional realizado em setembro no México. E entrou imediatamente em dos dois orgãos internos de trabalhos do Fórum, um mais político, o Grupo Diretor (Steering Group), e o outro mais técnico, o Grupo de Revisão entre Pares (Peer Review Group), que vão monitorar os países.

O Brasil será sabatinado já no primeiro semestre do ano que vem, durante a qual precisará detalhar seu arcabouço jurídico para se identificar quais medidas precisará integrar na sua legislação doméstica para lutar contra a evasão fiscal e dar mais transparência ao regime tributário.

Recentemente, bancos suíços, certamente ignorando a adesão brasileira ao acordo da OCDE, acusaram o Brasil de facilitar a evasão fiscal ao não seguirem padrões internacionais na luta contra esse tipo de prática. A Receita Federal retrucou em carta ao Valor, dizendo que a "posição tradicional" brasileira tem sido a de defender a intensificação da troca de informações fiscais entre as administrações dos diversos países no combate à evasão fiscal e a outros ilícitos tributários de modo geral.

Segundo a Receita, essa cooperação se torna mais importante na medida em que a mobilidade de capitais e pessoas acompanha o crescimento do processo de globalização das relações econômicas. Considera que a "ativa participação" do país no G-20 se tem refletido em um ainda maior envolvimento da área econômica com as iniciativas dos demais governos participantes do Grupo, apoiados tecnicamente pela OCDE, no combate à evasão fiscal e a outros ilícitos fiscais por meio de maior transparência e troca de informações.

A Receita Federal justifica agora a adesão ao Fórum em razão de sua reestruturação, com o mecanismo passando a ter financiamento próprio (não dependente da OCDE), e os participantes tendo igual direito de voz e voto. "Esta era a razão pela qual o Brasil não havia antes aderido formalmente ao Fórum, pois o País não faz parte da OCDE e o Fórum era uma instância exclusiva daquele organismo", diz a Receita Federal, contrariando versões de outras áreas do governo.

Menciona padrões de troca de informação constantes dos 28 tratados de dupla tributação que o Brasil tem em vigor, mais três já assinados, em tramitação, além do acordo com os EUA sobre troca de informações, que seguem o padrão de troca de informações preconizado pelo Fórum.

Além disso, diz que o Brasil tem acordos de troca de informações em matéria aduaneira com diversos países, incluindo acordos multilaterais, que possibilitam a investigação de fraudes de importação e exportação, no âmbito dos impostos de importação e exportação, indo, neste caso, além do escopo atual do Fórum.

Para a Receita Federal, o Brasil está "na vanguarda" no combate à evasão tributária nas operações transnacionais. "Não é por outro motivo que dentro do G-20 o Brasil tem se colocado de maneira firme contra a utilização de esquemas internacionais, especialmente os baseados em paraísos físicas, para prática de evasão tributária, e tem adotado medidas internacionais e internas de forma a coibir veementemente essas práticas, a exemplo de sua atuação também no FATF/GAFI (organismo especificamente relacionado à lavagem de dinheiro)", acrescenta.