Título: Descoberta que amplia pesquisas sobre o câncer leva Nobel de medicina
Autor: Naik, Gautam
Fonte: Valor Econômico, 06/10/2009, Internacional, p. A13

Três cientistas americanos receberam o Prêmio Nobel de medicina pela descoberta de uma enzima que tem um papel crucial na saúde das células e em seu envelhecimento. A descoberta propiciou uma nova linha de pesquisa sobre possíveis tratamentos para doenças relacionadas ao envelhecimento, como câncer, cegueira e problemas cardiovasculares.

O prêmio, que inclui US$ 1,4 milhão a ser dividido entre os três, foi dado a Elizabeth Blackburn, da Universidade da Califórnia em San Francisco; a Carol Greider, da Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins; e a Jack Szostak, da Faculdade de Medicina de Harvard.

Os cientistas desvendaram o funcionamento da telomerase, uma enzima que produz pequenas unidades de DNA que bloqueiam as pontas dos cromossomos. Essas unidades de DNA, conhecidas como telômeros, funcionam como as pontas plásticas do cadarço de sapato, evitando que os cromossomos se desfaçam e os genes contidos se desvirtuem.

Os telômeros permitem que as células se dividam sem erros e também influenciam o número de vezes que uma célula pode se dividir, determinando portanto a duração de sua vida. "Sem a telomerase não estaríamos aqui, ela é essencial para a vida", disse Blackburn ao "Wall Street Journal". "As pontas dos cromossomos se desgastam com o tempo e a telomerase ajuda a preservá-las", mantendo-as no tamanho apropriado.

À medida que envelhecemos, essas pontas perdem a capacidade de proteger os cromossomos. Uma das consequências é que as células entram num estado chamado de senescência, em que continuam vivas mas param de se dividir. Os pesquisadores acreditam que isso contribui para o envelhecimento.

O trabalho dos três cientistas em elucidar os mistérios da enzima telomerase começou nos anos 70 e aumentou as esperanças de que um dia seja possível prolongar a vida. As pesquisas também motivaram a criação de uma linha nova de estudo das doenças relacionadas ao envelhecimento. Agora, por exemplo, os cientistas tentam reativar a telomerase para tratar cegueira e doenças cardiovasculares e neurodegenerativas.

Na maioria dos casos, é saudável que uma célula envelheça e morra. O câncer inclusive é ligado às células que não seguem o roteiro normal de morte celular e continuam se reproduzindo. É por isso que a descoberta da telomerase também permitiu novas conclusões sobre o câncer. Uma célula cancerosa se divide continuamente e até 90% dos tipos de câncer em humanos precisam de telomerase para fazer isso.

Os tumores então contam com alguma maneira de ativar o gene da telomerase. Os cientistas esperam combater o câncer desativando a enzima. A Geron Corp., de Menlo Park, na Califórnia, já iniciou testes clínicos para determinar se um inibidor de telomerase pode combater o câncer de mama, pâncreas, pulmão e outros.

Mas o cenário não é tão simples assim. "Isso significa que há um toma-lá-dá-cá entre envelhecimento e câncer", disse Szostak em entrevista ao "Wall Street Journal". "Não dá para ativar a telomerase no corpo inteiro para tratar o envelhecimento, porque a consequência indesejada é o câncer."

As primeiras descobertas sobre a telomerase não foram obtidas sem nenhuma aplicação prática em mente, mas graças à pura curiosidade. Os cientistas sabiam que as pontas dos cromossomos tinham alguma proteção, mas quando as analisavam com microscópio só viam um borrão.

Blackburn mostrou que sequências simples e repetidas de DNA formam as pontas de cada cromossomo. Ela e Szostak perceberam que as repetições no DNA ajudam a estabilizar os cromossomos e evitar que sofram danos. A dupla formulou a hipótese de que havia uma enzima responsável por adicionar as sequências repetidas às pontas dos cromossomos.

Em 1985, quando era professora da Universidade da Califórnia, em Berkeley, Blackburn publicou com Greider, que estava na pós-graduação, um artigo anunciado a descoberta da enzima telomerase. Alguns de seus experimentos mais importantes foram realizados com um protozoário ciliado chamado tetrahymena, que vive em lagoas. Unicelular, foi considerada a melhor cobaia possível porque tem uns 40.000 cromossomos, bem mais que os 23 pares existentes na célula humana. Os pesquisadores obtiveram depois as mesmas conclusões com células humanas.

"Foi resultado de uma pesquisa básica, impulsionada pela curiosidade", disse Greider ao "Wall Street Journal". Numa era em que a pesquisa é cada vez mais focada em um resultado específico no curto prazo, "considero (este prêmio) uma vitória para a ciência básica".

Blackburn nasceu na Austrália e mora nos EUA desde 1975. Ela se naturalizou americana em 2003 e mantém a cidadania australiana. Szostak nasceu em Londres, foi criado no Canadá e hoje também é cidadão americano. Greider nasceu em San Diego, Califórnia.