Título: Analistas de petróleo estranham novo papel da ANP
Autor: Schüffner , Cláudia
Fonte: Valor Econômico, 10/08/2009, Brasil, p. A3

O modelo regulatório que o governo pretende adotar para o pré-sal começa a receber críticas de especialistas que apontam problemas na definição da Petrobras como única operadora, na liberação de recursos para que a Agência Nacional de Petróleo (ANP) perfure poços, e na operacionalização de uma nova empresa estatal. Também existem dúvidas quanto à disponibilidade de sondas para perfuração de águas ultraprofundas em um momento de escassez desses equipamentos. O prazo médio de perfuração de um poço nessa área é de quatro meses e o aluguel de uma sonda custa aproximadamente US$ 700 mil por dia, e a própria Petrobras tem pressa para encerrar seu programa exploratório no pré-sal desde que a agência reguladora não acatou o pedido de extensão do prazo exploratório de blocos importantes na área.

Wagner Freire, ex-diretor de exploração e produção da Petrobras e ex-presidente da Braspetro, hoje presidente da Associação Brasileira de Produtores Independentes de Petróleo (Abpip), disse ter lido com espanto a informação dada pela ministra Dilma Rousseff ao Valor de que a ANP vai furar poços. "A escolha do local de uma perfuração é a síntese da atividade exploratória de uma companhia de petróleo. É impressionante que o governo ache que a ANP tem essa expertise", afirma Freire.

Ele também se mostra espantado com o aparente desconhecimento de figuras importantes que assessoram o governo sobre o sistema que vigora na Noruega, país que serviu de modelo para as novas regras. "Muitos ainda dizem que a Noruega adota a partilha quando todos sabem que é concessão", diz. Na Noruega, as áreas são licenciadas pelo "Norwegian Petroleum Directorate", órgão regulador, sem a necessidade de pagamento de bônus. O NPD escolhe o melhor projeto apresentado pelas empresas ou consórcios, decidindo também a entrada da estatal Petoro e o percentual da participação dela no projeto.

A economista Annette Hester, especialista em energia e associada-senior do Centro para a Inovação da Governança Internacional (CIGI), no Canadá, acha que a ANP furar poços é uma ideia tirada dos anos 40, quando perfurar era simples. "É compreensível a necessidade desses dados, mas essa não é a melhor maneira de fazê-lo. É melhor pensar, antes de fazer quatro poços, onde ela vai conseguir sondas, engenheiros e geólogos, quando a própria Petrobras, que está alavancando investimentos de US$ 174 bilhões, está passando por dificuldades de contratar equipamentos", disse Hester.

A economista do CIGI também estranhou que o anúncio dessa medida, que é da alçada da ANP, uma agência reguladora independente, tenha sido feito pela ministra Dilma Rousseff, que é chefe da Casa Civil e presidente do conselho de administração da Petrobras. "É necessário conhecer a proposta da ANP, afinal um investimento de R$ 1 bilhão é muito. É preciso também lembrar que a agência não terá o mesmo custo da Petrobras ou da Exxon. E se vai contratar a Petrobras isso significa que ela vai se tornar prestadora de serviços para a ANP?", questiona a especialista.

A ANP informou que seu diretor-geral, Haroldo Lima, enviou na sexta-feira um ofício para a Petrobras pedindo que a empresa indique um grupo de técnicos para, em conjunto com um grupo de técnicos da ANP, definir um programa e as condições de perfuração de poços (na área do pré-sal não licitada) a ser executada nos próximos meses. Lima não estava disponível para detalhar a proposta.

Na avaliação de Wagner Freire, uma das "piores" decisões do novo modelo é a entrega das operações no pré-sal para uma única companhia, no caso a Petrobras. "Isto não existe em nenhum lugar do mundo, quer em contratos de partilha ou de concessão ou mesmo em contratos de prestação de serviço, cujo exemplo mais ilustrativo, e um dos poucos, é o do Irã. Não está claro se a nova estatal contrataria a Petrobras para a prestar serviços ou não. Seja como for, ter um único operador é o que de pior se poderia fazer", afirma Freire.

O geólogo John Forman, ex-diretor da ANP, ressalta que na Noruega, cujo modelo o governo diz copiar, "quando a estatal Petoro participa de um bloco, ela entra com seus recursos para pagar a exploração, sendo remunerada no caso de êxito e perdendo dinheiro em caso de fracasso". Forman não viu ainda uma explicação sobre a origem dos recursos para a Petrosal fazer estes investimentos. "Ela será carregada? Já pensou na guerra que irá ocorrer no Congresso caso não haja partilha com Estados e municípios?", questiona.

Segundo Wagner Freire, a experiência internacional mostra que nenhuma empresa tem condições de arcar sozinha com as operações em uma vasta e complexa área como o pré-sal. O único exemplo de monopólio dessa natureza é o da Arábia Saudita, onde a Saudi Aramco é a única operadora e produtora de petróleo. Mesmo assim ele lembra que naquele país, que detém as maiores reservas do mundo, não existe risco exploratório, sem contar que a Aramco domina toda a tecnologia e tem recursos para investir.

"Faltaria "management e managers" em qualidade e quantidade para um projeto desse porte. Essa é uma das razões das empresas fazerem joint ventures nas concessões e partilhas. E, do ponto de vista do Estado concedente, ao estimular ou determinar que haja vários operadores, há uma garantia de que haverá competição. E a competição é garantia para custos menores, desenvolvimento de tecnologia e inovação e maior rapidez no processo de exploração e desenvolvimento", continua Freire.

O executivo afirma que na última licitação realizada na Noruega, em novembro de 2008, foram concedidos 71 blocos a 46 empresas, com diferentes joint ventures, das quais 19 foram designadas operadoras.