Título: As leis processuais e o empresariado
Autor: Mauro Rodrigues Penteado
Fonte: Valor Econômico, 25/04/2006, Legislação & Tributos, p. E2

Cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém. A sabedoria popular, de raiz filosófica, aconselha muito cuidado em relação às últimas leis processuais, supostamente aprovadas para conferir maior certeza e segurança às relações dos agentes privados, entre si ou com o Estado - especialmente à atividade empresarial - e a almejada celeridade do Judiciário. Mas, ao contrário do que sugerem as impressões iniciais, as recentes leis processuais reclamam cuidados redobrados dos empresários e advogados quanto a fundamentação de decisões empresariais com potencial de conflitos, para evitar soluções judiciais desfavoráveis.

Até aqui o que se tem visto são reações positivas às duas leis processuais promulgadas no dia 7 de fevereiro - a Lei nº 11.276 e a Lei nº 11.277, de 2006 -, o que em parte é justificável pois, sobretudo em matéria tributária, a administração pública, fundada em equívoco dever de ofício, tem recorrido constantemente contra decisões já pacificadas no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Suposto dever de ofício, aliás, que coloca na sombra o real objetivo dessa orientação política, que é a de procrastinar tanto quanto possível (de preferência para as próximas administrações) o pagamento de dívidas ou a implementação de soluções fiscais favoráveis ao contribuinte, que ora são de responsabilidade exclusiva dos governos atuais, ora derivam de expediente idêntico adotado por gestões anteriores, acumulando com isso os famosos esqueletos do armário da dívida pública, que tanto vulneram os orçamentos estatais.

Lembre-se que em alguns casos, como o da possibilidade de compensação de tributos - artigo 170-A do Código Tributário Nacional (CTN) -, a vedação do IPTU progressivo, a isenção da cobrança do Cofins das sociedades prestadoras de serviços e outros mais, a administração pública recorre sempre e só muito tempo depois os tribunais superiores rechaçam definitivamente suas pretensões. No contexto acima esboçado, e para essas situações, a recente Lei nº 11.276, ao estabelecer que "o juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do STJ ou do Supremo" é, indubitavelmente, um avanço (novo parágrafo 1º do artigo 518 do Código de Processo Civil).

Também vem sendo recebida com agrado a Lei nº 11.277, que permite ao juiz até dispensar a citação do réu e proferir de imediato a sentença "quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos" (novo artigo 285-A do Código de Processo Civil).

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Não é difícil constatar que, quanto à primeira lei citada, poderá haver ofensa ao princípio que garante o duplo grau de jurisdição, caso em que estará aberta a via do mandado de segurança, visto que há séculos os jusfilófosos controvertem em torno do conceito de conformidade sem chegarem a um consenso. E quanto à segunda, a mesma perplexidade pode surgir, pois saber se a hipótese posta em juízo de primeiro grau é idêntica a outra de que trata determinada súmula também não é problema de fácil e automática solução. Aliás, é bem por isso que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) já entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) contra a Lei nº 11.277.

As duas leis evidenciam, na verdade, a necessidade de uma renovada e moderna atitude de empresários e advogados diante de decisões que possam gerar contestações por parte de terceiros ou no seio da companhia (dos acionistas minoritários, por exemplo). Examinar essas novas leis à luz apenas de seus aspectos favoráveis, que dizem respeito às relações fisco-contribuinte, pode constituir grave erro, pois o Código de Processo Civil tem aplicação geral a todas as demandas privadas.

Decisões cruciais e de larga repercussão, da gerência, da diretoria, do conselho de administração ou mesmo da assembléia geral devem, doravante, passar por um crivo ainda mais rigoroso, visando obter robusta fundamentação jurídica que lhes dê suporte para impedir a criação de precedentes que se transformem em súmulas ou que ensejem demandas repetidas e sucessivas que conduzam à supressão de um grau de jurisdição, ou seja, a ampla e completa apreciação da causa pelo juiz e pelo tribunal.

No dia-a-dia da empresa e na dinâmica dos negócios, nem sempre empresários e advogados, inclusive as grandes bancas de advocacia, disporão do tempo e da especialização necessários para obter esse indispensável amparo jurídico. Daí a conveniência de se recorrer a quadros externos especializados na matéria objeto da decisão para prevenir surpresas e lograr êxito na esfera judicial, que um bom administrador sempre procura evitar, mas da qual nem sempre pode escapar, muitas vezes pelo ânimo litigioso e até aventureiro de alguns demandantes.

Mauro Rodrigues Penteado é sócio da Advocacia Mauro Rodrigues Penteado, mestre, doutor, livre-docente e professor associado de direito comercial da Universidade de São Paulo (USP)