Título: Com Mantega, Lula segura o PT
Autor: Maria Cristina Fernandes
Fonte: Valor Econômico, 31/03/2006, Política, p. A6

Há exatamente um ano, José Genoino, era aclamado candidato à reeleição à presidência do PT, numa reunião do diretório nacional em que expôs como plataforma de campanha a Carta ao Povo Brasileiro. O documento afiançou a eleição de Lula em 2002 sem que tivesse sido aprovado pelas instâncias partidárias. A reeleição de Genoíno se daria no encontro nacional do partido em dezembro e, com a vitória, a Carta estaria incorporada ao programa do partido. O mensalão derrubou Genoino, levou Ricardo Berzoini ao comando da legenda e adiou para abril o encontro nacional que vai elaborar o programa eleitoral petista. O encontro se aproxima com pressões renovadas por mudança no ritmo de crescimento da economia. Com a escolha para a Fazenda de um economista que, apesar de petista, não tem ingerência nas disputas internas do partido, Lula sinaliza como pretende lidar com a pressão correligionária. Foi a eferverscência interna no PT durante a campanha de 2002, aliada ao 'risco de argentinização' alardeado pela oposição, que levaram Lula a incumbir Antonio Palocci da elaboração da Carta. Hoje o presidente não dispõe de um outro petista para repactuá-la. A opção por Aloizio Mercadante talvez despertasse menos temores no mercado. Comparado a Mantega, o senador paulista expôs um menor grau de divergência em relação à política econômica. O problema é que, além da disputa paulista em aberto, Mercadante divide o PT. A crise do mensalão levou-o a se afastar do ex-deputado José Dirceu, que ainda mantém grande ascendência sobre o partido. Isso não significa que Mercadante esteja descartado como opção de Lula para um eventual segundo mandato. Apenas seria de pouca serventia para o apaziguamento partidário até a travessia de 1º de outubro. Tivesse optado por Murilo Portugal, ou outro nome mais pró-mercado, o presidente corria o risco de fazer recrudescer a pressão petista por mudanças. A seis meses da eleição presidencial, tudo que o Lula não precisa é de um partido em confronto aberto com a Fazenda.

-------------------------------------------------------------------------------- Encontro de abril definirá programa partidário -------------------------------------------------------------------------------- A escolha de Mantega apazigua antes o partido que o mercado. Pode ser mais fácil para Lula domar a verve do novo ministro da Fazenda do que a manifestação de dezenas de petistas que se auto intitulam dirigentes partidários. Não que tenham poder dirigente sobre os rumos do partido, mas podem ser usados pela oposição para incendiar o mercado. Guido Mantega foi durante 15 anos o tradutor do economês para Lula. Isso não foi suficiente para lhe garantir o norte da economia quando Lula assumiu a Presidência da República. Como ministro do Planejamento, executou um arrocho fiscal rigorosamente nos limites do que lhe impôs Palocci. Ao assumir o BNDES, travou a briga infindável pela redução da TJLP, mas há poucos economistas que levem a sério um rombo nas contas públicas proveniente de uma redução de um ou dois pontos percentuais na taxa. Além disso, o governo federal ainda não tem Orçamento. E corre o risco de só vê-lo aprovado depois que o calendário eleitoral já tiver coibido a gastança. Neste sábado já se iniciam os seis meses anteriores à eleição em que são proibidos aumentos salariais. A partir de 1º de julho, ficam suspensas as transferências voluntárias e a contratação de servidores. A maior carência de Guido é aquilo que sobrava em Palocci: a capacidade de falar e encantar sem nada informar. Paulo Baia, professor do Departamento de Economia da PUC-SP e estudioso das propostas econômicas dos programas do PT, teme que, com o comando da economia à esquerda de Palocci, a política monetária torne-se mais ortodoxa para mostrar que nada mudará. A saída de Palocci colocou em risco o maior trunfo eleitoral do presidente: uma política econômica que, mantendo a estabilidade, permitiu um crescimento da renda salarial superior ao do PIB. Com a escolha de Mantega, Lula sinaliza ao mercado que o comando é dele. Aos que pressionam por mudança, deixa em aberto a expectativa de que a economia de um eventual segundo mandato tenha menos amarras. Estariam assim criadas as condições para que supere o revés da queda de Palocci, desde que mantenha Guido Mantega onde sempre esteve - ao seu alcance.