Título: Agricultores de UE e EUA temem que Brasil "domine" o mundo
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 24/03/2006, Brasil, p. A4

Relações externas País é alvo de campanhas lançadas por diferentes organizações de produtores

A agricultura brasileira está sendo alvo de duras campanhas lançadas por produtores dos Estados Unidos, Europa e de outras partes do mundo, no momento em que se intensifica a negociação para liberalizar o comércio global. Uma coalizão de organizações de produtores de 51 países, capitaneada pelos europeus, declarou ontem em Genebra oposição à "dominação" exercida pelo Brasil e outros grandes exportadores, estimando que a liberalização global dará ao país "capacidade para desestabilizar a agricultura mundial" e "matar" o setor em várias partes do mundo. Nos EUA, 16 organizações de commodities enviaram carta ao governo Bush acusando a agricultura brasileira de ter crescido às custas de perdão de dívidas e taxas de juros favorecidas, e pedindo que Washington trate o Brasil como país desenvolvido nas negociações na Organização Mundial do Comércio (OMC). Também presente em Genebra, o presidente da Comissão Agrícola do Parlamento Europeu, Joseph Daul, estimou que a competitividade agrícola do Brasil pode criar um "problema geopolítico": a OMC abre os mercados, o Brasil abocanha a maior fatia e muitos países terão mais desemprego agrícola. "Aí muita gente vai tentar emigrar para a Europa", disse. Antonio Donizeti Beraldo, representante da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), qualificou as acusações de "tremenda hipocrisia, vinda de quem gasta bilhões de dólares em subsídios". O ataque mais organizado veio de entidades de commodities americanas - soja, açúcar, algodão, frango, carne bovina, trigo, leite, sorgo - refletindo o temor da concorrência brasileira. Em carta ao principal negociador comercial americano, Rob Portman, e ao secretário da Agricultura, Mike Johanns, sugerem o que consideram uma forma de frear países exportadores como o Brasil: exigir na OMC que estes países assumam os mesmos compromissos que os países ricos. Assim, julgam que o país perderá capacidade de estimular exportações através do uso "de crédito altamente subsidiado, perdão generalizado de dívidas, subsídios para transporte etc." As entidades defendem que, para as principais commodities de interesse dos EUA, deveria ser usado um teto para identificar países e setores a serem "graduados" (passam a ser considerados desenvolvidos). Isso ocorreria quando a exportação de um país tiver 5% das exportações mundiais. No caso do Brasil, são atingidas as exportações do complexo de soja, de frango e de porco, segundo os americanos. Também seriam atingidos a soja da Argentina, o porco da China, a carne bovina da Argentina, Índia e Uruguai e o milho exportado pela Argentina e China. Caso a medida fosse aplicada, o Brasil teria reduzida a sua margem de ajuda aos agricultores, e perderia prazos maiores para implementar as futuras regras agrícolas. A CNA diz que o Brasil não tem hoje nenhum programa de apoio aos agricultores, apenas porque se enquadra entre os países em desenvolvimento. As entidades americanas reconhecem que o Brasil está longe de conceder o volume de subsídios a que está autorizado pelos acordos atuais da OMC. Mas acham que compromissos rígidos podem frear o uso de "créditos subsidiados e perdão de dividas" que apoiariam o setor agrícola brasileiro. Segundo um negociador americano, a "preocupação é concreta" entre produtores de soja dos EUA com a competitividade brasileira. Na prática, os americanos querem fazer muito barulho e reabrir um debate sobre diferenciação entre países, mas dificilmente a negociação atual entrará nessa discussão. Donizete acha que a proposta pode prejudicar os próprios americanos. "Se os EUA aceitarem nivelar as regras do jogo, e acabar com os US$ 15 bilhões de subsídios a seus agricultores, estamos prontos a aceitar sermos considerados desenvolvidos na agricultura." Em um dos mais caros hotéis de Genebra, representantes de uma coalizão de entidades agrícolas da UE, Canadá, Japão, Coréia, Indonésia, Índia, Sri Lanka, entre outros países, falaram a jornalistas durante uma hora e meia, período em que o principal alvo - ou obsessão - foi o Brasil. O austríaco Rudolf Schwarboeck, presidente da Organização de Agricultores da União Européia (Copa), acusou o país de querer liberalizar o comércio mundial para beneficiar grandes grupos. "O aumento das exportações do Brasil não melhorou a vida de 45 milhões de pobres", disse. Repetiu acusações de desrespeito de direitos ambientais, sociais e trabalhistas. Pelos cálculos da Copa, só a reforma da Política Agrícola Comum (PAC) levará o Brasil a dominar 20% do mercado de carnes na Europa. "A questão é o que podemos salvar", disse. Donal Cashman, produtor irlandês presidente da Confederação das Cooperativas Européias (Cogeca), declarou que seria "maravilhoso" se pudessem sabotar a Rodada Doha, porque o preço cobrado dos agricultores europeus é muito grande. Ele acha que a capacidade de produção do Brasil pode desestabilizar a agricultura mundial e significará a "morte de nossas agriculturas", porque ninguém pode concorrer com as condições em que o pais produz. Um diplomata de Israel entrou na discussão e reclamou que o que Brasil está pedindo é insuportável: "Com a liberalização, haverá queda de preço de 30% a 60% no dia seguinte, o Brasil vem e ganha o mercado'', lamentou. Organizações de agricultores de 15 países da África se juntaram à coalizão.