Título: Amplia-se o cerco ao ministro Palocci
Autor: Rosângela Bittar
Fonte: Valor Econômico, 08/03/2006, Política, p. A5

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva reage mal quando seu partido pressiona para mudar a política econômica, não só de um possível segundo mandato, como deste último ano do primeiro mandato. O novo documento preparado pelo PT, por enquanto em discussão apenas interna, sob a coordenação de Marco Aurélio Garcia, assessor direto e íntimo do presidente Lula, é transparente quanto aos seus reais objetivos: fazer ruir as bases da atual política econômica executada sob o comando do ministro Antonio Palocci, da Fazenda. O PT quer um programa, inclusive para se estender de agora até 2010, que altere as políticas monetária e fiscal, com uma acentuada redução da taxa de juros e das metas de superávit fiscal, entre outros sinais claros de rejeição à política em vigor. As mudanças propostas no documento são tão drásticas que, sobre ele, se pediu sigilo. O presidente Lula não gostou desta nova estocada em seu ministro da Fazenda não pelo conteúdo, informa-se no Planalto, mas pelo momento. Lula está absolutamente satisfeito com seu próprio desempenho no governo e na campanha de reeleição, e mais ainda com os reflexos disto nas pesquisas que indicam uma recuperação significativa de popularidade com relação aos baixos índices do ano passado. Não quer, por isto, saber de nada que faça marola ou possa abalar a situação do ministro Palocci, os resultados da economia, a confiança de investidores. Ou, pior, que dê temas a serem explorados pela oposição. Marco Aurélio Garcia, autor do texto do PT, assinou uma nota, às pressas, segunda-feira desta semana, após o vazamento de trechos do documento, para declarar, em síntese, que a nova proposta, a ser votada em reunião do PT no fim do mês, não está em oposição à atual política econômica. "A leitura do documento não autoriza a dedução de que o conteúdo nele expresso está em oposição aos fundamentos da política econômica desenvolvida pelo nosso governo", diz o assessor especial do presidente. Fundamentos estes que o PT pretende mudar este ano mesmo, sem esperar o novo mandato. Se o PT age formalmente, embora tente disfarçar e desmentir-se quando vê o impacto, e o presidente também se sente à vontade para mandar recados dando ciência de sua contrariedade, há uma pressão mais discreta, mas muito mais forte, contra a política econômica e a permanência do ministro Antonio Palocci em qualquer posição de comando na campanha e no segundo mandato. Visceralmente contra a atual política estão os partidos aliados históricos de Lula.

Mais forte é a pressão dos partidos aliados

O PCdoB e o PSB não querem esta política e não querem Palocci. Têm levado ao presidente, em diferentes oportunidades, seus pleitos e preocupações. O PSB, já o disseram os deputados Eduardo Campos, presidente do partido e ex-ministro deste governo, e Renato Casagrande, o líder, está coordenando a formulação de uma segunda Carta aos Brasileiros, que contenha princípios de mudanças para uma nova política econômica e que dê, ao mesmo tempo, segurança aos investidores. Na Carta II, idealizada por Campos, o governo se comprometeria, na campanha de reeleição, com três objetivos: a redução dos juros, a queda gradativa do superávit primário e o compromisso de não privatizar a Petrobras, o Banco do Brasil e Furnas Centrais Elétricas. O PSB expõe seu plano de maneira mais suave que o PT, mas não há grande diferença nos objetivos. Pretende-se nesses partidos da aliança sugerir uma política que tenha como base a redução dos juros e do aperto fiscal para permitir que o setor privado invista mais e o setor público também gaste mais com obras de infra-estrutura. Os três partidos têm também outra idéia em comum: roubar o discurso da oposição, não deixar a oposição criticar sozinha a política econômica e o ministro que a executa. O PCdoB, que vai acompanhar o PSB e será também signatário da nova Carta, tem sido o mais crítico partido da atual política econômica e do ministro que a conduz. Seus dirigentes não se limitam a falar ao presidente Lula sobre as mudanças que o momento exige na economia, mas já deixaram claro que Palocci na coordenação da campanha, ou mesmo em posição não oficial de aconselhamento e mando, significa a abertura de um flanco para ataques da oposição. "O presidente, por causa desta política, já perdeu muitos que estavam do seu lado, inclusive economistas importantes, como o Luiz Gonzaga Belluzzo; não vai agora querer perder o novo núcleo de apoio que conquistou na esquerda e no governo", definiu um dos integrantes desse novo grupo. Neste novo núcleo de apoio estão a esquerda do PT, o PCdoB, o PSB, a ministra Dilma Rousseff, citada por todos agora como expressão máxima do anti-paloccismo e a quem, crêem, o presidente não vai querer desagradar. Segundo esta análise, o presidente Lula não terá condições de dar destaque a Palocci na campanha da reeleição e em um segundo mandato quando estão contra ele e contra a política econômica não só Dilma como outros de seus atuais conselheiros. Optar por Palocci, diz este interlocutor do presidente, é ir contra Ciro Gomes, Luiz Dulci, Luiz Marinho, a esquerda do PT, os movimentos sociais: "O que o presidente precisa, no momento, é agregar essas forças, e não dissipá-las". Em poucos meses será possível comprovar se estes vaticínios estão corretos ou se não passam de anseios irrealizados.