Título: Acordo entre Argentina e Brasil deixa AES sem gás
Autor: Leila Coimbra
Fonte: Valor Econômico, 10/02/2006, Empresas &, p. B8

Energia Falta do insumo vai atingir produção da térmica de Uruguaiana

A companhia americana de energia AES está insatisfeita com o acordo fechado entre os governos do Brasil e da Argentina que permite aos argentinos reter mais da metade do gás natural importado pelo Brasil no período de maio a outubro. O acordo foi selado no dia 9 de dezembro, em Montevidéu, e vale até 2008. A AES é a importadora do gás da Argentina, necessário para suprir sua termoelétrica de Uruguaiana, instalada na fronteira entre os dois países. Além da térmica, a AES possui no Brasil o controle das distribuidoras Eletropaulo (SP) e AES Sul (RS) e a geradora hidrelétrica AES Tietê (SP). Para que a usina de Uruguaiana produza energia em sua capacidade máxima, de 560 megawatts (MW), são necessários 2, 8 milhões de metros cúbicos diários de gás. Mas o documento assinado em dezembro passado dá poderes à Argentina de mandar apenas 1,2 milhão de metros cúbicos de gás por dia, ainda assim de forma condicionada: para que o corte não seja integral, o Brasil precisa gerar energia e mandar em forma de eletricidade para o país vizinho - a contrapartida brasileira é de mandar 550MW (volume semelhante à produção de Uruguaiana quando a usina está operando em sua capacidade máxima). Pelos termos do acordo, a energia que a Argentina receberá do Brasil poderá ser tanto de origem térmica como hídrica, dependendo da disponibilidade no momento. O vendedor dessa energia excedente à Argentina será decidido por meio de licitação, que deverá ocorrer no mês de abril. Para a AES, o problema é que, com apenas 1,2 milhão de metros cúbicos de gás diariamente, a térmica de Uruguaiana pode gerar apenas 217 MW. A energia restante, necessária para que a usina cumpra seus contratos dentro do Brasil, será comprado no mercado. O cálculo do mercado é de que o prejuízo beira os US$ 50 milhões. O presidente da Eletropaulo e da AES no Brasil, Eduardo Bernini, não quis comentar os valores e foi cauteloso ao questionar um tratado feito pelos presidentes dos dois países, mas não conseguiu esconder sua insatisfação: "Não posso questionar a soberania nacional, mas o Brasil deveria lutar para que os compromissos de entrega de gás fossem cumpridos", afirmou. Em 2005, Uruguaiana também sofreu com o corte do suprimento do gás. O governo argentino criou, em março de 2004, um programa de racionalização de exportações do insumo, substituído em junho do ano passado pelo Programa Complementar de Abastecimento ao Mercado Interno de Gás. E, por conta dessa determinação, a Repsol, fornecedora do insumo para a AES, descumpriu seu contrato no ano passado, suspendendo o fornecimento. No início, o problema do suprimento de gás não teve maiores conseqüências para a térmica de Uruguaiana, que não estava gerando em sua capacidade máxima. Mas a região Sul do Brasil sofreu, no começo do ano passado, uma seca que baixou os níveis dos reservatórios das hidrelétricas. Uruguaiana então foi chamada a gerar na disponibilidade declarada, de 560 MW, mas informou que não tinha gás. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) determinou, então, que fossem feitos testes para determinar a real disponibilidade de geração da térmica gaúcha. Os testes, realizados entre 22 e 29 de março de 2005 levaram a Aneel a reduzir o lastro de Uruguaiana para 217 MW a partir de abril. Foi quando começaram os prejuízos da Eletropaulo. Com o lastro reduzido, a usina não pode honrar todos os contratos e tem de comprar energia no mercado. O problema também está trazendo prejuízos à Companhia de Interconexão Energética (hoje Endesa Cien), um investimento de US$ 750 milhões. A empresa tem contratos de importação de eletricidade da Argentina e tinha lastro declarado de 2,2 mil MW. Mas, os testes o reduziram para 400 MW.