Título: À espera de avanços do BID em Belo Horizonte
Autor: Claudia Safatle
Fonte: Valor Econômico, 20/01/2006, Brasil, p. A2

O Brasil precisa com urgência de investimentos em infra-estrutura. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) elegeu como prioridade da sua atuação no continente financiamentos para projetos de infra-estrutura, setor que tem tido queda "alarmante" de investimentos em vários países da região, como alerta estudo da Cepal. Para juntar a oferta com a demanda, porém, o BID está passando por uma profunda e lenta transformação. Na reunião anual da instituição em Okinawa (Japão), no ano passado, alguns passos foram dados. A expectativa é que na primeira semana de abril, quando ocorre em Belo Horizonte a reunião anual do organismo, o novo presidente, Luis Alberto Moreno, avance na reforma. O que está em jogo é a própria função do banco, dado o acúmulo de fluxos negativos - os países estão pagando mais do que recebendo em financiamentos nos últimos anos. O Brasil pagou entre 2001 e 2004 US$ 3,6 bilhões a mais do que recebeu em desembolsos. No ano passado, houve uma inversão, ficando o fluxo positivo em US$ 96 milhões. Isso porque o BID aprovou dois empréstimos no valor de US$ 1 bilhão cada, para o programa Bolsa Família e o BNDES, já dentro da nova visão de empréstimos não para projetos específicos, mas programáticos. Atualmente, o Brasil tem projetos no valor de US$ 5,12 bilhões junto ao BID, sendo que metade desse valor é para investimentos em infra-estrutura rodoviária. A idéia é destravar os financiamentos, começar a fazer empréstimos em moeda local e concentrar a atuação do banco em duas áreas: nos governos subnacionais, sobretudo os municipais; e nos financiamentos ao setor privado. Para estes últimos o teto para a participação do BID, que era de apenas US$ 75 milhões por projeto, acabou de aumentar para US$ 200 milhões, podendo, em circunstâncias especiais, chegar a US$ 400 milhões. Mas isso ainda é pouco. O BID continua a aplicar, em projetos privados, apenas 3% do seu capital, embora as regras internas permitam que esse valor chegue a 10%. "Para sair de 3% para 10% muita coisa tem que mudar", avalia o diretor do BID para Brasil e Suriname, Rogério Studart. Uma das expectativas, na instituição, é que o Brasil "engate uma terceira nas PPPs (Parcerias Público Privadas)", diz ele. No setor público, mudou substancialmente a demanda. Antes, o governo federal conduzia a carteira de financiamentos. Hoje, ele não precisa desses recursos externos para financiar o balanço de pagamentos e está envolvido em sérias restrições fiscais. Assim, a demanda se deslocou para os municípios. Estes, porém, não podem contratar financiamentos em moeda estrangeira e não dispõem de garantias da União. "Isso altera completamente o jogo", diz Studart. Portanto, o BID busca uma saída para fazer os empréstimos em moeda local e está discutindo várias possibilidades com o BNDES. Ele já fez algumas captação em moedas domésticas e começa a testar empréstimos nessas mesmas moedas. As emissões em moeda local podem ser no mercado doméstico ou no mercado externo e, segundo o diretor do BID, isso "incentiva o desenvolvimento do mercado de capitais nacional, cria um mercado de moedas locais no exterior, ou seja, há uma série de vantagens que vão surgindo ao longo do processo". É claro que não se espera que o BID, junto com o Banco Mundial, resolva a questão da infra-estrutura na América latina. Mas podem ajudar a melhorar as suas condições e através dela, a integração do continente. A alavancagem do banco, hoje, é baixa por falta de demanda por financiamentos. Há recursos disponíveis e o desafio é montar operações que atendam às possibilidades da região. "O BID é um instrumento geopolítico muito importante para o financiamento da região e pode ser muito importante para o financiamento do Brasil, sobretudo dos municípios, e é preciso que o país tenha isso em mente em BH", sublinha Studart.

Banco quer emprestar em moeda local

Hoje, por exemplo, dentro da Iniciativa de Integração Regional por Infra-estrutura, há centenas de projetos de obras de integração regional. Dessas, 38 foram selecionados e estão prontas para deslanchar. O total dos recursos envolvidos ainda não está decidido, mas são projetos de rápida implementação, segundo Studart. Em Belo Horizonte, entre os dias 1º e 5 de abril, espera-se avançar mais nas discussões sobre o novo marco de financiamentos. Além da iniciativa do BID, importante a despeito da sua lentidão, há outras questões que enriquecem o debate sobre a precariedade dos investimentos em infra-estrutura no Brasil e em vários outros países do continente. Estudo da Cepal, intitulado "Opções para enfrentar a tendência antiinvestimento público", elaborado pelos economistas Ricardo Martner e Varinia Tromben, mostra que, numa média ponderada, a retração nos investimentos do governo central dos países latino americanos e caribenhos, de 1990 a 2003, foi de 1,7% do PIB para 0,6% do PIB. "Em alguns países da América Latina e do Caribe, a queda do investimento público tem tomado dimensões alarmantes, em parte pela dureza dos ajustes fiscais recentes", assinalam os autores. O Brasil é um desses casos (queda de 2,9% do PIB para 0,4% no período). O documento sugere algumas opções para reduzir o viés antiinvestimento público em períodos de consolidação de uma política fiscal austera, apontando inclusive mudanças na forma de contabilizar os gastos. Ressalta, também, que o viés antiinvestimento público atinge países com ou sem acordo com o Fundo Monetário Internacional. "Sempre será mais fácil suspender obras que reduzir gastos correntes. A estimativa é de que metade do ajuste fiscal realizado na Argentina, Bolívia, Brasil, Chile e Peru nos anos 90 se deve a uma diminuição do investimento em infra-estrutura", diz o texto. Dentre as várias sugestões de mudança contábil e de medidas tributárias, os técnicos da Cepal indicam especificamente que para os empréstimos dos organismos multilaterais, a contabilidade no orçamento deveria ocorrer quando das amortizações dos financiamentos e não na contratação, melhorando a distribuição da carga financeira no tempo. O problema a infra-estrutura de eurosé agudo, os "buracos" nas rodovias são sua parte trágica e visível e não há solução independente do governo. Está aí um bom tema para os candidatos à residência da República.