Título: O anúncio que Bush ficou devendo
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 07/11/2005, Brasil, p. A2

O encontro entre os presidentes George Bush e Luiz Inácio Lula da Silva, ontem, um dia após sérias divergências entre os dois países sobre o futuro da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), na reunião de cúpula realizada na Argentina, serviu para que ambos mostrassem que o relacionamento político entre os dois governos alcançou um novo patamar, de forte entendimento político, ainda que questões econômicas cavem um fosso impressionante entre o Palácio do Planalto e a Casa Branca. Como enfatiza o subsecretário-geral de Assuntos Políticos do Itamaraty, Antônio Patriota, antes da chegada de Bush ao país, raras vezes na história, as autoridades dos dois países mantiveram contatos tão freqüentes. Bush e Lula fizeram questão de ressaltar essa proximidade nos discursos que fizeram ontem. O próprio Patriota tem contatos regulares com sua contraparte americana. E o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, troca figuras com freqüência com a secretária de Estado, Condoleeza Rice, que garantiu ao governo brasileiro ter o Brasil como uma das prioridades da política externa americana no mundo em desenvolvimento. Bush tem tratado Lula com uma deferência reservada a poucos chefes de Estado. Do ponto de vista político,pode-se dizer que a visita de Bush é um sucesso. Do ponto de vista econômico e comercial, ambos os países, embora antípodas no que diz respeito à Alca, parecem se dar muito bem nas negociações que antecedem a decisiva reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), em dezembro, em Hong Kong. O embaixador Patriota, nas reuniões que antecederam a chegada de Bush, fez questão, porém, de esclarecer que não há uma "aliança" entre os dois países, mas uma aproximação de conveniência. "Nossos aliados são os países do G-20", explicou o negociador político do Itamaraty, citando o grupo de países em desenvolvimento formado para se contrapor às propostas dos países desenvolvidos em matéria de agricultura, na OMC. É sensata a ressalva do diplomata, porque, em breve, esse quadro de harmonia entre Brasil e EUA na OMC deve sofrer abalos.

O que atrasa a relação com os EUA é o protecionismo

A troca de informações, consultas políticas e ações conjuntas interessa ao Brasil e aos Estados Unidos. Os dois tem fortes interesses na América do Sul,marcada pela instabilidade. O aumento da confiança e cooperação entre o Planalto e a Casa Branca não extingue, no entanto, um problema sério. Enquanto Bush se preparava para o passeio pelo Cone Sul, na semana passada, o Congresso americano mostrou que não está em Brasília o maior obstáculo nas relações de comércio entre os dois países. Na quinta-feira, o Senado dos EUA aprovou um projeto de cortes orçamentários para retirar US$ 35 bilhões em despesas federais, US$ 3 bilhões delas em subsídios à agricultura. O corte nos benefícios agrícolas reduziu em 2,5% os pagamentos diretos aos produtores e afetou principalmente subsídios para proteção ambiental. Antes de ser enviado a Bush, para sanção, o pacote do Senado terá de ser ajustado a uma proposta de corte votada na Câmara de Deputados dos EUA, que também afetou, em menor medida, os programas agrícolas. Nem senadores nem deputados tocaram nos grandes produtores beneficiados pelos subsídios americanos, pelo contrário. No Senado, os parlamentares derrubaram uma emenda dos senadores Charles Grassley e Byron Dorgan, que cortaria subsídios para grandes agricultores, com medidas como a redução do teto individual, de US$ 360 mil anuais para US$ 250 mil, e dispositivos para brecar os artifícios que elevam esses limites, hoje. Além disso, o projeto dos senadores estende, para 2011, subsídios que deveriam ser extintos na Lei Agrícola (Farm Bill) de 2007, para os produtos como o algodão e o arroz. Esse movimento foi severamente criticado por analistas e ONGs, que acusam o Senado de sabotar os negociadores americanos que irão à reunião da OMC. É o oposto do que esperava o Brasil, após a vitória do governo brasileiro na ação movida na OMC contra os subsídios ilegais ao algodão americano. Bush deveria ter aproveitado a visita para explicar como domará os arroubos protecionistas do Congresso dos EUA (que, lá tem poderes nem sonhados pelos políticos daqui). Infelizmente, parece que o presidente americano até gostaria de dar essa explicação; mas não faz a mínima idéia de qual ela seja.