Título: Os avanços do CNJ e os obstáculos que enfrenta
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 29/09/2005, Opinião, p. A10

A reforma do Judiciário começa a sair do papel e justifica boa parte das esperanças de que a Justiça no país passe a ser o que não foi até hoje: tempestiva e democrática. As duas faces das mudanças são, na verdade, uma só. A celeridade buscada por intermédio da simplificação e do fim da inacreditável interposição de recursos é complementada pelos instrumentos que visam a retirar do terceiro poder os vícios do corporativismo e da desigualdade. Há pessoas acima da lei no país e poucas dentre elas mais inimputáveis que juízes e magistrados, a quem caberia o zelo irrestrito pelos direitos legais. A criação do Conselho Nacional de Justiça, após uma ferrenha disputa contra a tradição corporativista, foi um passo enorme em direção a fazer com que o direito seja aplicado irrestritamente mesmo para os que têm a função de ministrá-lo. Uma de suas primeiras atitudes merece irrestrito apoio. O CNJ decidiu proibir o nepotismo nos tribunais e varrer dos cargos comissionados parentes que não tenham chegado a seus cargos atuais por meio de concurso, tanto na área federal como na estadual. O Conselho demonstrou argúcia ao vedar liminarmente uma das vias pelas quais o favorecimento indevido a parentes se ocultava, isto é, a contratação de familiares de magistrados em outros órgãos da Justiça por meio de troca de favores com outros membros do Judiciário. Não apenas novas contratações nesses moldes anti-republicanos ficam banidas, mas também todos os que estão se beneficiando dos privilégios serão exonerados. Atento ao cipoal legal que visava a proteger práticas inadmissíveis, o CNJ decidiu também revogar a resolução 388/97, do Tribunal Superior do Trabalho, que dava direito a parentes de magistrados de permanecerem no cargo, desde que tivessem sido contratados até 1996. Com isso, se as decisões forem realmente aplicadas, deixarão de existir privilegiados por essa prática fortemente brasileira em cargos na Justiça. A ressalva é importante: as decisões precisam ser cumpridas e seu cumprimento, vigiado. Como relata José Nilton Pandelot, presidente da Associação Nacional dos Magistrados Trabalhistas, em reportagem no Valor de ontem, a entidade denunciou a existência do nepotismo mesmo após a resolução de 1996, mas as contratações foram mantidas. Para que todo o esforço moralizador não seja perdido, é necessário que o Conselho exerça outra de suas mais importantes funções e sua razão de ser, o controle externo. E, nesse ponto, há importantes batalhas a serem vencidas. O CNJ recebeu 85 denúncias de desvio de condutas de juízes. Apenas uma foi julgada e, por votação apertada, de 8 votos a seis, foi arquivada. As outras 84 tiveram pior destino - sequer foram julgadas. Elas não chegaram à deliberação dos demais conselheiros porque o corregedor do CNJ assim o decidiu. A ação julgada também estabeleceu uma incômoda divisão, de maus augúrios. Os oito membros que optaram pelo arquivamento pertencem ao Judiciário. Os seis que votaram contra - indicados pela Ordem dos Advogados do Brasil, Congresso e Ministério Público - vieram de fora. Essa divisão é preocupante como indício de que forças que se mostraram contrárias à criação do Conselho podem ter se instalado nele a ponto de paralisar suas deliberações por puro corporativismo. Resoluções e leis, obviamente, não bastam para romper o corporativismo do Judiciário. Condutas contrárias a essa tradição nefasta devem vir também dos escalões superiores, mas não é o que parece acontecer com freqüência. Os presidentes de todos os Tribunais Superiores encaminharam projeto de lei de reestruturação da carreira dos servidores do Judiciário com previsão de aumentos que chegam a 154%, como noticiou "O Estado de S. Paulo" no dia 20 de setembro. O custo para os cofres públicos do projeto, como ele foi concebido, atinge R$ 4,59 bilhões. Ele, além disso, cria duas novas gratificações e um adicional de qualificação, um burocratês que significa uma vantagem que depois será incorporada ao salário e, em algum momento no futuro, se tornará "direito adquirido", devidamente consagrado pelas instâncias da Justiça. A média dos salários do Judiciário - em torno dos R$ 10 mil - é a maior de todos os poderes. Apesar de todo o aperto fiscal, o Judiciário tem sido a vanguarda da pressão por aumento de vencimentos, que se transmitem depois, por "força da natureza", por toda a administração pública.