Título: Brasil torna-se campeão do mundo na venda de computadores ilegais
Autor: João Luiz Rosa
Fonte: Valor Econômico, 29/10/2004, Empresa, p. B2

A criatura de Frankenstein, o monstro literário criado por Mary Shelley no século XIX, é real e está mais viva do que nunca para os fabricantes de computadores que atuam de maneira legal no Brasil. Pela primeira vez na história, o país vai encerrar o ano como o campeão mundial de PCs ilegais, os chamados "frankensteins", um título indesejado até agora pertencente à China. A expectativa é de que 74% de todos os micros de mesa que serão vendidos no país terão algum tipo de procedência duvidosa, o que inclui contrabando de componentes, sonegação de impostos e pirataria de software. Entre os chineses, onde a prática vem caindo, os ilegais representaram 73% no ano passado. É essa uma das principais constatações de um estudo feito pelo instituto de pesquisa IDC, sob encomenda da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). Para o levantamento, o IDC consultou 140 "cloneiros" - os integradores que são empresas e também pessoas físicas, que atuam à margem da legalidade. O quadro mostra uma total discrepância de custos na produção de PCs, com larga desvantagem para as empresas oficiais. Dos 2,1 milhões de discos rígidos que entram no país anualmente, cerca de 60% são contrabandeados. A maioria (53%) dos produtos é comprada no Paraguai, originária de Miami. A situação se repete nos demais componentes e periféricos, à exceção dos monitores, cujo contrabando é de apenas 1%. "No Paraguai, os componentes são vendidos a US$ 7 o quilo", diz Ivair Rodrigues, analista do IDC responsável pelo estudo. Como a maioria dos itens é leve, os fabricantes ilegais gastam pouco para trazer enormes quantidades de itens, a maioria deles de baixa qualidade ou até recondicionados, explica o consultor. Os gabinetes, que custam US$ 30 no mercado oficial, são encontrados a US$ 22 no paralelo. Isso sem contar com outros recursos, como o do subfaturamento. "O gabinete mais barato na Ásia sai por US$ 11, mas há casos de empresas brasileiras que supostamente importam os gabinetes a US$ 0,99", conta Rodrigues. O resultado é a fuga dos fornecedores legais, o que diminui ainda mais a já reduzida cadeia de fabricantes de componentes no Brasil. "O país chegou a ter 20 empresas que fabricavam gabinetes. Hoje, tem três", compara. Somando tudo isso, o preço de um micro oficial de desempenho médio - incluindo a carga tributária de 30% e o custo do sistema operacional, sem o qual a máquina não funciona -, é de R$ 3.080,85, calcula o IDC. Um equipamento semelhante no mercado cinza, como também são chamados os fabricantes ilegais, sai por R$ 1.828,77. A diferença é de 41%. Sem condições de competir, os fabricantes legais têm sido obrigados a reduzir violentamente a margem de lucro. Essas margens, que já chegaram a 32%, hoje ficam entre 5% e 7%, na melhor das hipóteses, segundo o IDC. Em geral, porém, patinam em 2%, concordam os executivos das empresas. Desde 1996, o grupo dos fornecedores internacionais como HP, Dell e IBM, reduziu sua participação de 40% para 10% do mercado brasileiro de micros de mesa; os nacionais, como Itautec, caíram de 30% para 12%. Enquanto nos EUA os cinco maiores fabricantes repartem 64,5% do mercado e na Europa dividem 54,7%, no Brasil têm de se espremer em 15,2%. No front oposto, os "cloneiros" saltaram dos 40% de oito anos atrás para os 74% previstos para 2004. Para eles, os negócios vão bem. Segundo o IDC, os fornecedores que são pessoas físicas montam 8,4 micros por mês. Já as empresas que usam expedientes ilegais entregam 65,5 máquinas mensais. O futuro parece ainda melhor para eles. Dos "cloneiros" consultados, 46% entre as pessoas físicas e 65% das integradoras aguardam um incremento das vendas. Nem Mary Shelley poderia prever final mais feliz para Frankenstein.