Título: Ambição pelo ouro verde
Autor: Martins, Victor; Batista, Vera
Fonte: Correio Braziliense, 18/04/2010, Economia, p. 20

STF decidirá se área agrícola avaliada em até R$ 1 bilhão é mesmo da Bahia ou será rateada entre Goiás, Minas e Tocantins

Rivalidades entre unidades da federação são comuns no Brasil, principalmente se o assunto for futebol. Mas Bahia e Goiás alimentam uma disputa que está longe de qualquer esporte. Os dois estados travam uma batalha de quase um século por aquela que é a nova fronteira agrícola no oeste baiano e um dos mais fortes polos econômicos do estado. São terras que podem valer até R$ 1 bilhão e ainda gerar, em valores subestimados, cerca de R$ 100 milhões ao ano em impostos estaduais. O potencial da região é tão elevado que colocou os baianos entre os sete maiores produtores de soja do Brasil. O problema é que Goiás reivindica a posse das terras e dos lucros.

O motivo do desentendimento ¿ que envolveu até o Exército e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para conferir a demarcação das terras ¿ é a faixa de fronteira e, intrinsecamente, o dinheiro movimentado pelo agronegócio. A contenda na área já foi responsável por confrontos políticos, de produtores rurais e até entre as polícias militares de ambos os estados, conforme constam em documentos do Supremo Tribunal Federal (STF). Nos bastidores da capital da República, afirma-se que a peleja chegue ao fim ainda em 2010 e que parte da Bahia será anexada a Goiás, Tocantins e Minas Gerais.

O principal foco da disputa está na fronteira do Oeste baiano, em Vila Rosário (BA), localizada entre Posse de Goiás e Correntina (BA). Outro ponto crítico está no município de Luiz Eduardo Magalhães, que faz divisa com Tocantins. Ambas as regiões são fortes produtoras agrícolas de soja, milho, algodão e pecuária. ¿É uma região que cresceu muito economicamente por causa do avanço do agronegócio. Chamamos essa área de corredor do progresso¿, gaba-se Nelson Estiner, administrador de Rosário.

A afirmação de Estiner é balizada em dados da Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola. Em 30 anos, a área plantada de soja cresceu 80 vezes, passou de 30 mil hectares em 1980 para 2,4 milhões de hectares neste ano. Crescimento que elevou a Bahia ao posto de sétimo maior estado produtor da oleaginosa. A área, além de ter mais de 30 rios, é plana, o que facilita a plantação e a colheita mecanizada. ¿Não tenho um número certo, mas estimo que 40% do que é produzido de soja na Bahia saia daqui¿, calcula o administrador. As terras no Oeste baiano ainda têm potencial de expandir as áreas produtoras em mais 8,1 milhões de hectares.

Modernidade

Nesses locais, as propriedades são de extensão mínima de 4,5 mil hectares. Por conta dos investimentos em ciência e tecnologia, o preço do hectare varia de R$ 500 a R$ 1.500. Como a área em questão possui cerca de 600 mil hectares, quem vencer a briga leva um patrimônio básico de R$ 300 milhões, mas que pode chegar a R$ 1 bilhão, sem contar as benfeitorias e ganhos com arrecadação de impostos de toda ordem, principalmente o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), avalia Damásio Kennedy de Amorim, gerente regional da Emater (Empresa de Assistência, Extensão Rural e Pesquisa Agropecuária do Estado de Goiás).

¿Por isso, essa demanda. E tem mais: no início dos anos de 1990, a Bahia construiu um posto fiscal, sanitário, animal e vegetal bem no centro do Espigão Mestre, na altura do Posto (de gasolina) Rosário, que fica a apenas 25km de Posse, para fazer o recolhimento dos impostos. Os baianos iniciaram o processo, mas, depois, quando viram que podiam perder, recuaram¿, critica Amorim.

Não bastasse toda essa riqueza agrícola, como menciona o gerente da Emater, apenas essas duas regiões geram, no mínimo, cerca de R$ 100 milhões anuais em ICMS. ¿É uma região muito rica. Atraiu gente de todo o país. Ao gerar riqueza, também distribui renda. A área é tão importante que estamos desativando o antigo posto da Secretaria de Fazenda e construindo um mais moderno. Será modelo para o restante do estado¿, conta Cláudio Meireles, superintendente de administração da Secretaria de Fazenda da Bahia.

É uma região que cresceu muito economicamente por causa do avanço do agronegócio. Chamamos essa área de corredor do progresso¿

Nelson Estiner, administrador de Rosário

Justiça deve agir rápido

O procurador de Patrimônio Público e Meio Ambiente de Goiás, Welber Ferreira da Fonseca, teme que os conflitos de terra entre produtores agrícolas se intensifiquem. Por se tratar de uma área litigiosa, alguns têm titularidade aprovada por Goiás que não vale na Bahia, e vice-versa. Em situações extremas, uma propriedade às vezes tem dois donos diferentes. O fato gerou uma guerra de liminares. Cada juiz dava ganho de causa de forma a que pudesse beneficiar sua região.

Fonseca explica que sua função é tratar das ações discriminatórias (separar as terras públicas das particulares) e da regularização fundiária, o registro. Ele tem em mãos 18 complexas ações discriminatórias relativas à região de maior conflito, onde estão dezenas de municípios. Algumas tiveram início logo depois da construção de Brasília. Grande parte está agora suspensa aguardando o resultado do estudo de fronteira. Do total, quatro estão no centro da discussão e envolvem áreas de 600 mil hectares em sete municípios ¿ três na Bahia e quatro em Goiás. ¿O Estado quer resolver o conflito federativo. A lei será cumprida. Mas precisamos de definições¿, afirma. (VM e VB)

O número Olho grande Quatro áreas de 600 mil hectares estão no foco da contenda

Multinacionais na região Em 1919, Bahia e Goiás começaram a disputa pelas terras que, hoje, estão avaliadas em aproximadamente R$ 1 bilhão. Em sucinta argumentação, o Estado da Bahia entrou na Justiça no dia 10 de junho de 1986 questionando a fronteira goiana. Na época, o procurador do estado atribuiu à causa o valor de Cz$ 10 mil, uma bagatela frente ao potencial produtivo da área. A Bahia entende que seu domínio se estende para além da Serra Geral. Goiás discorda.

A história envolve violência, agressões mútuas de policiais dos dois lados e, é claro, uma boa dose de aproveitadores que tiram vantagem da situação vendendo uma mesma propriedade com registros simultâneos, tanto goiano quanto baiano. O Exército já foi convidado a intervir e dirimir as dúvidas sobre onde começa e termina o território de cada um. Com isso, foram obrigatoriamente envolvidos Piauí, Tocantins e Minas Gerais ¿ unidades da federação que fazem fronteira com a Bahia.

O Supremo Tribunal Federal (STF) estuda o processo desde então. A morosidade da Justiça é tanta que nenhuma das partes conseguiu sequer ver o minucioso estudo feito pelo Exército. Damásio Kennedy de Amorim, gerente regional da Emater de Goiás, conta que a disputa ficou adormecida até meados dos anos 1980, quando ricos fazendeiros vindos do Sul do país decidiram investir por ali.

¿Até então, as terras estavam improdutivas. Os empresários plantaram soja, milho e algodão e conseguiram uma produtividade média absurda, em torno de 160 sacas de milho por hectare. Descobrimos que aquela era uma terra muito nobre. Principalmente o pedaço onde estão os municípios de Jaborandi, Correntina e Cocos, na Bahia. E Guarani de Goiás, Posse, Mambaí e parte do Sítio da Abadia, em Goiás. Na verdade, os empresários moravam em Posse e iam desbravar na Bahia¿, ressalta.

Atraídos por bons negócios, também se instalaram por lá grupos multinacionais poderosos como Bunge e Multgraine, produtores de sementes e de adubo.

¿Queremos o nosso¿

Por se tratar de conflito federativo, a ação que definirá a propriedade de terras nas fronteiras da Bahia com Goiás está no STF (Ação Cível Originária nº 37). E, na opinião de Ronald Bicca e Luiz Henrique Carvalho, procuradores do estado de Goiás em Brasília, o tema deveria ser resolvido com urgência diante da insegurança jurídica na região. Eles não negam, porém, o interesse pelo potencial tributário e agrícola da área. ¿São milhões em tributos e o conflito tende a se agravar por conta disso¿, pondera Bicca. ¿Queremos a segurança jurídica na fronteira. Se houver um confronto (físico), as consequências terão reflexos negativos nas instituições de ambos os estados¿, emenda Carvalho.

O interesse no Oeste baiano é tanto que o governo de Goiás desembolou R$ 2,2 milhões em 2000 (sem incluir as despesas de fixação de marcos divisionais) para o pagamento da perícia que determinaria as linhas de fronteira. Essa quantia deveria ser dividida entre os cinco estados envolvidos. ¿Justiça é dar a cada um o que é seu. Queremos o que é nosso. Não desejamos lesar a Bahia¿, destaca Bicca. (VM e VB)