Título: Vale a pena salvar a Varig?
Autor: João Manoel Pinho de Mello
Fonte: Valor Econômico, 19/10/2004, Opinião, p. A-8

Estão em grande evidência as dificuldades de parte do setor de aviação comercial. Há poucos dias foram divulgadas na imprensa diretivas para uma proposta de "reestruturação" do setor, extraídas de estudo encomendado pelo governo. A principal motivação da reestruturação é a delicada situação da Varig. Duas questões devem ser trazidas a debate público: a) é desejável salvar a Varig? ; a) em caso positivo, qual a maneira menos danosa de fazê-lo? A resposta à primeira pergunta depende das razões pelas quais a Varig está nesta situação. É uma empresa bem gerida que está passando por dificuldades momentâneas? Ou é uma empresa ineficiente, que gere mal seus ativos? Seu histórico de desempenho indica que o cenário de ineficiência é mais provável. Façamos um exercício de economia política. Quem ganha com o prejuízo da Varig e, conseqüentemente, com seu salvamento? Há cinco grupos a se ter em conta: acionistas e funcionários, aposentados, fornecedores, governo (e conseqüentemente os contribuintes) e consumidores. Dificilmente os consumidores ganham com o prejuízo, através de passagens baratas e melhores serviços. Ganham os empregados, que no caso da Varig também são acionistas. Parece contraditório que os acionistas ganhem com o prejuízo, mas não é. Os empregados-acionistas têm incentivo a se apropriarem dos recursos como empregados, pois há a percepção, infelizmente correta, de que o governo os salvará como acionistas. Há a expectativa de ganhar duas vezes. Os aposentados ganham. Como a Varig é insolvente, seu fundo de pensão não sairá ileso de uma falência. Note que esse argumento também vale para os atuais funcionários. Os fornecedores, afora a BR Distribuidora que não recebe pelo combustível que fornece, provavelmente ganham. É bem possível que parte do prejuízo venha de contratos de fornecimento pouco favoráveis à Varig. O efeito sobre o governo depende da forma do salvamento. Como o setor público é o detentor de grande parte do passivo (dívidas com a BR Distribuidora, Infraero, INSS etc.), é, em última instância, o dono de fato da Varig. Para sair do buraco, a empresa precisa renegociar seus passivos com o governo e ainda receber dinheiro novo. No curto prazo, renegociar as dívidas é, para o governo, tirar dinheiro de um bolso e colocar no outro. Já colocar dinheiro novo, sem mudar a atual administração da empresa, é desperdício de recursos públicos. No longo prazo, a operação de salvamento cria péssimos incentivos. Não é improvável que a mesma situação se repita no futuro. Se a solução for "reestruturar" o setor de modo a diminuir o grau de competição, o governo perde menos. Finalmente, os consumidores nem ganham nem perdem, no curto prazo, se a solução for aporte de recursos públicos. Se a solução for diminuir a competição, eles perdem. No longo prazo, a manutenção de uma empresa ineficiente na condição de líder de mercado tende a prejudicar os consumidores, independentemente do tipo de salvamento. Vale a pena salvar a Varig? Dificilmente. No longo prazo, o salvamento desperdiçará recursos. Mesmo que o governo exija contrapartidas de melhoria de gestão, dificilmente os vícios da empresa serão eliminados, porque as exigências não são críveis. Mais importante ainda, o salvamento diminui o desempenho do setor. Um dos atrativos de entrar no mercado é a possibilidade de deslocar as empresas já existentes. Se a firma líder sempre é salva, os incentivos a entrar diminuem e, portanto, também diminui o grau de competitividade do setor.

Qualquer solução razoável requer a retirada da Fundação Rubem Berta do controle da empresa

O custo de deixar a Varig falir é um possível desarranjo momentâneo na oferta de vôos. O salvamento é viável politicamente, porque os que perdem, consumidores e contribuintes, são desorganizados politicamente em relação aos que ganham. Mais uma vez, transferir-se-á renda dos setores desorganizados para os organizados. Qualquer semelhança com o imposto inflacionário não é mera coincidência. Vamos agora para pergunta (b). Se a decisão for salvar, a pior maneira de fazê-lo é diminuindo o grau de competição no setor. O estudo citado argumenta que há a necessidade de diminuir a sobreposição nas linhas servidas. Tradução: criação de monopólios ou duopólios por linha servida, ou seja, divisão geográfica de mercado. Há ainda a proposta de isentar, por cinco anos, fusões e aquisições no setor de aviação comercial de investigação pelo Cade. Tradução: carta branca para aumento de concentração, independentemente de seu efeito sobre a competição. A lógica é simples. Com a diminuição da competição, aumentará a rentabilidade da Varig, aumentando a perspectiva, ainda que remota, de solvência. O aporte necessário de recursos públicos para resolver o problema diminui. O governo e os contribuintes perdem menos. Parece razoável, mas não é. Nesse caso a conta passa para o consumidor, que pagará proporcionalmente muito mais caro porque o poder de mercado é altamente distorsivo. O que fazer? Qualquer solução razoável requer retirar da Fundação Rubem Berta o controle da empresa. A solução mais simples é passar imediatamente o controle para os credores, o que é bom do ponto de vista de gestão. Como o maior credor é o governo, isso equivaleria a uma estatização branca, o que torna necessária uma ressalva. É preciso todo cuidado para evitar que o governo assuma os passivos previdenciários e trabalhistas da empresa. Além disso, como governo talvez fosse pior gestor que a própria Fundação Rubem Berta, esta seria uma solução de curto prazo, para evitar um desarranjo na prestação de um serviço essencial. O governo venderia os ativos, e assumiria parte do passivo. Segunda solução: refinanciamento. Nesta solução, além dos problemas de incentivos, o custo é similar ao da solução anterior. O governo estaria, de fato, assumindo os passivos. Finalmente, o pior dos mundos é a atual proposta, que une a anterior à diminuição do grau de competição no setor. A aviação comercial é problemática no mundo inteiro. Ajuda governamental pode ser justificada para acomodar choques inesperados de demanda e custos, como os que sofreram as empresas norte-americanas depois de 11 de setembro. No caso da Varig, não há nada parecido. É um problema de gestão.