Título: A baixa concorrência e os lucros do setor bancário
Autor: José Fajardo e Marcelo Maciel da Fonseca
Fonte: Valor Econômico, 18/04/2005, Opinião, p. A16

A temporada de divulgação dos resultados do ano fiscal de 2004 dos bancos está em curso. Pelo apresentado até o momento, as instituições que encabeçam a lista das 10 maiores do setor seguem apresentando números bastante robustos e oferecendo aos seus acionistas retornos invejáveis. Os resultados foram turbinados pela expansão do crédito e pelo aumento dos ganhos advindos da cobrança de tarifas. De certa forma, seria irrelevante a análise destes resultados, tendo em vista a obviedade da relação entre aumento do crédito e crescimento dos lucros. Contudo, devemos ter em perspectiva quais fatores podem ter cooperado para a consolidação destes resultados. Um fator que certamente repercute diretamente sobre a capacidade dos bancos de "criar" moeda e por conseguinte obter ganhos é o percentual obrigatório que os intermediários financeiros tem de recolher ao Banco Central, o chamado depósito compulsório. Este percentual não se alterou, estando no patamar de 45 % desde agosto de 2003, quando então baixou do patamar de 60 %. Vale lembrar que, em novembro de 2004, o BC alterou as regras do compulsório na esteira da intervenção do Banco Santos sem impacto no volume adicional que seria liberado aos grandes bancos. A medida teve como objetivo dar fôlego aos pequenos e médios bancos que sofriam com o mal-estar criado no mercado financeiro em decorrência das perdas imputadas a muitos investidores que tinham recursos aplicados no Banco Santos. Portanto, este fator não explica os lucros apresentados. Outro fator que dá suporte aos excelentes resultados é o aumento da receita com tarifas. Os bancos cobram pelos serviços prestados aos correntistas, o que é natural. Contudo, estes preços não têm um comportamento previsível, nem tão pouco razoável. Analisemos os números apurados para os últimos dois anos. Recentemente, a imprensa divulgou pesquisa de mercado cobrindo o período entre janeiro de 2003 e dezembro de 2004, utilizando uma amostra de cinco tarifas (DOC, talão de cheque, cheque avulso, ficha cadastral e cartão magnético). O levantamento mostrou que, em alguns casos, houve reajustes de até 100% para o período contra 18,13% no acumulado do IPCA-15. Este tipo de receita bancária vem crescendo fortemente nos últimos anos. Algumas consultorias mostram que há dez anos esta receita representava algo em torno de 9% do faturamento total dos bancos e, no ano passado, este número passou a 17,3 %. No período entre 1995 e 2004, considerando os balanços do Bradesco, Unibanco, Itaú, Safra, Banco do Brasil e Banespa, os valores arrecadados com tarifas cobriam, no início do período, 37,7 % dos custos com pessoal. Em 2004, os ganhos superaram os custos da folha de pagamentos em 13,4 %. Sem dúvida alguma, poucas empresas conseguiram esta proeza no Brasil, principalmente se consideramos que o negócio principal dos bancos é a intermediação financeira. Coincidentemente, um dos bancos que apresentou maior crescimento da receita com tarifas foi o Itaú, que teve os melhores resultados globais. Os bancos têm nas tarifas uma importante fonte de receita, sendo este manancial de caixa parte integrante de suas estratégias de resultados. Este tema deveria ser encarado com mais atenção pelas autoridades competentes. Espera-se que a proposta, que hoje tramita no Congresso Nacional que transfere ao Cade a responsabilidade pelo controle concorrencial do setor bancário seja votada prontamente e que a cobrança de tarifas possa ser analisada e regulada.

Projeto que transfere ao Cade o controle da concorrência entre os bancos precisa ser votado com urgência

Não há dúvida que o grande responsável pelos expressivos resultados foi o aumento da carteira de crédito. Este aumento deve-se às novas modalidades de empréstimos e à cultura do brasileiro, que tem alta propensão ao consumo e que desconsidera o montante dos juros que paga, bastando que a prestação a ser paga se "encaixe" em sua renda mensal. Uma ótica relacionada ao aumento do volume das operações de crédito, e que encontra suporte na boa teoria econômica, é a de que os bancos tiveram ganhos de escala e escopo. O primeiro ganho advém do fato de que o volume de negócios aumentou em proporção maior do que a estrutura necessária para gerá-los; o segundo reside no fato de que a integração de diversos serviços financeiros em algumas instituições bancárias (seguros, planos de previdência, cartão de crédito etc) leva a uma melhor análise do cliente e, por conseqüência, à concessões de crédito mais eficientes. Desta forma, os problemas inerentes à assimetria de informação que caracteriza o setor são mitigados. O que deveríamos esperar de um mercado em que os ganhos de escala e escopo são observados? Se o setor fosse competitivo, os preços (neste caso os juros bancários) cairiam em resposta à concorrência entre os agentes e a queda nos preços não afetaria necessariamente os lucros, pois os ganhos de produtividade serviriam para ajustar esta queda. No caso do setor bancário brasileiro observa-se a manutenção de altos "spreads" cobrados aos consumidores. Num mercado com baixa concorrência e ganhos de escala e escopo, os resultados provenientes não poderiam ser outros: os lucros tendem a crescer em termos reais. É isto que iremos observar enquanto a sociedade organizada e as autoridades competentes não discutirem fórmulas para aumentar a concorrência no setor, o que reduziria o custo do dinheiro e estimularia o crescimento no longo prazo da economia. É importante deixar claro que os lucros são importantes em qualquer negócio e servem como estímulo econômico aos empreendedores. A discussão acerca dos bancos deverá ser estritamente técnica, sem nenhum viés ideológico. O que se busca na verdade é melhorar a eficiência proveniente da interação entre os agentes bancários. Cabe, em última análise, ao governo, a liderança deste processo. Se a estes fatos acrescentamos a futura implementação de Basiléia II, com o que os custos dos bancos menores devem aumentar, tornando-os menos competitivos, concluímos que não nos deve causar surpresa se no ano que vem os maiores bancos anunciarem mais recorde nos lucros.