Título: Alívio temporário
Autor: Allan, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 03/03/2010, Economia, p. 11

Perda de fôlego da economia em 2009 teve o efeito positivo de reduzir o total de tributos pagos pela sociedade, uma queda de 34,42% do PIB em 2008 para 33,87% no ano passado. Esse refresco, contudo, é temporário e o brasileiro tende a seguir pagando altos impostos em 2010

A recessão que o país enfrentou como resultado da crise global produziu um milagre: a queda da carga tributária brasileira. Como a economia, na melhor das hipóteses, ficou estagnada em 2009 e a arrecadação de tributos federais caiu 3,5% em termos reais, a proporção do volume de impostos em relação ao montante de riquezas geradas no país diminuiu. O número oficial só deve ser divulgado daqui a alguns meses, mas cálculos do consultor Amir Khair indicam que o avanço do Estado sobre os bolsos do contribuinte foi um pouco menor, passando de 34,42% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2008 para 33,87%. Foi a primeira retração desde a passagem de 2002 para 2003, primeiro ano do governo Lula, quando a economia passou por um sério ajuste e o índice diminuiu de 31,9% do PIB para 31,4%.

Os números fazem parte de uma revisão feita pelo consultor, que levou em conta o aumento na estimativa do PIB nominal de R$ 3,005 bilhões para R$ 3,125 bilhões. Na primeira projeção, feita há algumas semanas, Khair havia observado uma redução da carga de 35,80% do PIB, número oficial da Receita Federal em 2008, para 35,22% em 2009. De qualquer maneira, com revisão do PIB ou não, a comemoração será curta. A recuperação da economia neste ano vai levar a uma nova alta da carga tributária, que deve ultrapassar o nível de 2008, pico histórico.

Analistas acreditam que a economia brasileira pode ter uma expansão de até 6,1% neste ano, o que aumentará o nível de recolhimento de impostos de forma mais do que proporcional, pois boa parte da tributação é feita ¿em cascata¿. Ou seja, a arrecadação deve bater mais um recorde em 2010, retornando à tendência de crescimento gradual (veja gráfico). Isso coloca o Brasil num nível de apropriação da renda de empresas e trabalhadores pelo Estado superior ao de países desenvolvidos, como o Japão (18,4%) e os Estados Unidos (28,3%), e de outros emergentes: México (19,8%) e Turquia (23,7%).

Ex-secretário de Finanças da prefeitura de São Paulo no governo de Luiza Erundina, Khair atribui toda a queda de 0,54 ponto percentual em 2009 às perdas da União, afetada tanto pela marcha à ré no nível de atividade econômica como pelos cortes de impostos para estimular o consumo e a produção. ¿A queda da carga tributária só não foi maior devido ao crescimento da massa salarial, que elevou a arrecadação acima do crescimento do PIB para a Previdência Social, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), o salário-educação e o Sistema S (conjunto de entidades privadas mantidas por contribuições parafiscais, como Sesi, Senai e Sebrae)¿, disse o consultor.

A Receita Federal enfrentou recuos na arrecadação em relação a 2008, descontada a inflação oficial, em quase todo o ano passado. Os piores momentos foram em fevereiro (-11,5%) e setembro (-11,3%). Só houve crescimento real no último trimestre, principalmente em novembro (26,4%). No ano passado, o tributo que mais caiu foi o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), perdendo 0,32% do PIB. Sozinho, ele foi responsável por mais da metade da queda da carga tributária total.

Retração As principais medidas fiscais de incentivo à recuperação econômica foram os cortes no IPI sobre automóveis, eletrodomésticos e móveis. O Imposto de Renda (IR) diminuiu 0,25% do PIB, principalmente por causa da redução nos lucros das empresas afetadas pela crise. Considerado o melhor termômetro tributário para medir o nível de atividade, por incidir diretamente sobre o faturamento das companhias, a Cofins registrou recuo de 0,24% do PIB.

Também tiveram retração outros seis tributos federais e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que é estadual (-0,08% do PIB). O encolhimento total na carga tributária seria de 1,15% do PIB, não fosse a elevação do volume recolhido pela Previdência Social (0,38% do PIB), pelo FGTS (0,11%), pelo estadual Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA, com 0,07%), pelo salário-educação (0,02%), pelo Sistema S (0,02%) e por outros impostos estaduais (0,01%). Na estimativa, Amir Khair considerou estável o valor que entrou nos cofres municipais em 1,58% do PIB.

A queda da carga tributária só não foi maior devido ao crescimento da massa salarial¿