Título: Construção interminável
Autor: Rosângela Bittar
Fonte: Valor Econômico, 05/01/2005, Política, p. A5

A subversão que os políticos do PT, rachados em grupos cada vez menores, estão tentando imprimir às relações políticas do momento, seja nas Câmaras Legislativas, no Congresso ou na composição do governo, pode comprometer o sucesso de uma iniciativa que vinha ocupando as atenções do presidente Lula e seus colaboradores neste início de 2005: o resgate de uma maioria aliada no Congresso para levar adiante questões de interesse da administração neste ano. A consolidação de uma nova maioria congressual, com a reconquista de partidos que se afastaram do eixo governamental ao longo da campanha eleitoral de 2004, seria o pré-requisito necessário para criar condições favoráveis à inclusão da reforma política, da lei de biossegurança, da regulamentação das agências reguladoras, das normas do saneamento, da reforma sindical, da lei de consórcios, entre as prioridades do ano. Lula, porém, terá dificuldades para reorganizar sua maioria no Congresso na mesma intensidade daquelas enfrentadas pelos prefeitos empossados na semana passada. Nos municípios, o PT contestou e foi contestado nas Câmaras Legislativas, atuando divorciado dos interesses políticos da cúpula partidária que comanda o governo federal. No Congresso, o primeiro embate que se apresenta este ano, a sucessão na presidência da Câmara, já chega contaminado pela guerra interna do partido em torno da disputa de posições atuais e futuras no ranking do poder. Se não há como unir o PT, principal partido da base aliada, nem em torno de um projeto de sucessão no Congresso formulado com o aval do presidente da República, teoricamente o líder maior da agremiação, difícil imaginar como se comportará o partido na reaglutinação da maioria para a realização dos demais projetos. O ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, vinha trabalhando no resgate da maioria desde o fim do processo eleitoral de 2004. Apesar de já ter sido confirmado no cargo pelo próprio presidente, Rebelo continua a ter seu trabalho desestabilizado pelo chefe da Casa Civil, José Dirceu, e pelo presidente da Câmara, João Paulo Cunha. Eles insistem na transferência da tarefa de articulação política para o PT, e agora, mais especificamente, para o próprio João Paulo, que estaria vislumbrando um privilegiado QG eleitoral para a disputa do governo de São Paulo no gabinete que passaria a ocupar no Palácio do Planalto. Os abalos provocados por esta pressão, contudo, não foram fortes o suficiente ainda para paralisar as atividades da coordenação política e engavetar os planos. Os partidos estão todos divididos, o PT não é exceção. Muito provavelmente, diante da desordem reinante no PT, a tarefa de unir o partido em torno do presidente Lula e dos interesses do país ficará mais a cargo do comando partidário do que do ministro da articulação política. Mas será da Articulação Política o esforço para reunir os demais partidos que, até aqui, foram aliados do presidente e suas prioridades. "A base é algo que sempre se está construindo, nunca é uma obra acabada. Exige um esforço cotidiano, permanente", define Aldo Rebelo que, ao anunciar intenções para o ano novo, ao final de dezembro, incluiu o resgate da maioria, com o aperfeiçoamento das relações entre governo e Congresso, como uma prioridade.

Difícil será ter o PT na maioria de apoio a Lula

Este aperfeiçoamento é o processo a que já havia feito referência. "É preciso fazer com que a base da Câmara se entenda melhor com a base do Senado, que tenha reunião permanente das lideranças do governo nas duas Casas, que os líderes da base na Câmara articulem-se com os do Senado. Uma agenda de manutenção e aperfeiçoamentos", diz o ministro que, apesar dos obstáculos, se mostra confiante. "O governo vai ter maioria. Na Câmara já temos, tranqüila. Temos que construir a maioria no Senado. É um esforço, principalmente, dos partidos da base". Ponto vulnerável Virgílio Guimarães, segundo amigos, embora tenha participado e aceito o processo, teria decidido disputar a presidência da Câmara com o candidato oficialmente escolhido pelo PT, Luiz Eduardo Greenhalgh, ao tomar conhecimento de um comentário do presidente Lula, numa reunião de líderes, sobre as razões pelas quais o escolhido não poderia ser ele. Ficou magoadíssimo. Questão de método Ou o presidente da República foi consultado e concordou, ou não sabia de nada, hipóteses, ambas, péssimas para o governo Lula. Mas foi um escárnio com o contribuinte as surpresas que a Receita Federal introduziu na medida provisória que corrigiu a tabela do imposto de renda, à revelia do Congresso, para aumentar a arrecadação. E o fez depois de o governo realizar um festivo teatro com as centrais sindicais para comemorar o que seria uma espécie de redução do peso dos tributos. A Receita foi fiel ao seu velho método de resistir muito a qualquer mudança e, quando politicamente obrigada a fazê-la, aproveitar para, extravasando sua função, dar um jeito de arrecadar mais. Deixar a formulação da política tributária e definição de carga sob responsabilidade de técnicos treinados para arrecadar é zombar da sociedade.