Título: Acordo bilateral favoreceu mais as exportações do México
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 03/04/2009, Brasil, p. A3

A indústria mexicana está se beneficiando muito mais que a brasileira dos acordos de abertura recíproca de mercado que vigoram entre Brasil e México, as duas maiores economias do continente latino-americano.

As exportações brasileiras para o México no setor automotivo, por exemplo, cresceram 47% entre 2002 (um ano antes dos acordos entrarem em vigor) e 2008. Por outro lado, as exportações mexicanas para o Brasil de carros e peças subiram mais de 500%.

Nos outros itens que desfrutam de benefício tributário - incluindo químico, elétrico, plásticos e outros - as vendas do Brasil para o vizinho avançaram 107%, enquanto os embarques do México aumentaram 586%.

As informações são de um estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), obtido pelo Valor. A indústria brasileira quer ampliar significativamente os acordos, para incluir produtos do seu interesse, mas encontra forte resistência dos mexicanos.

O que era para ser uma "win-win situation" - a definição dos americanos para um bom negócio - transformou-se em uma dor de cabeça para o Brasil. "Não podemos olhar os acordos de uma maneira mercantilista. A questão é como expandir o acordo", disse José Augusto Fernandez, diretor-executivo da CNI.

O cônsul-geral do México no Brasil, Salvador Arriola, rebate as críticas e argumenta que o México é "tradicionalmente" deficitário no comércio do Brasil e, portanto, é natural que se beneficiasse mais rápido dos acordos. "Tudo depende da maneira que você olha os números", disse.

Em 2004, o Brasil obteve superávit recorde de US$ 3,24 bilhões com o México. Esse resultado mingou para US$ 1,1 bilhão no ano passado. No primeiro bimestre de 2009, por conta do forte impacto da crise na economia mexicana, o país apurou superávit com o Brasil de US$ 20,8 milhões - o primeiro desde 1997.

Brasil e México assinaram dois acordos de complementação econômica. O mais expressivo é o ACE-55, que regula o comércio automotivo. Em vigor desde 2003, o acordo prevê uma liberação gradativa até julho de 2020, mas a única sensibilidade é a venda de caminhões e ônibus. Existe livre circulação de carros entre os dois países desde 2007.

As exportações de carros compactos para o México cresceram bastante no começo do acordo: 34% em 2003 e 24% em 2004. Mas a competitividade brasileira foi prejudicada pela valorização do real e as vendas caíram 19% em 2007. Com o impacto da crise no mercado mexicano, que é mais forte que no Brasil, outra queda de 7% no ano passado.

O México fez o caminho contrário. A estratégia das montadoras de vender carros mexicanos de porte médio (que não são produzidos no Brasil) a preços acessíveis (graças ao acordo) pode ser vista nas ruas brasileiras: Sentras, da Nissan, Fusións, da Ford, e Captivas, da Volkswagen, entre outros. Resultado: as vendas do México para o Brasil no setor cresceram 135% em 2006, 48% em 2007 e 72% no ano passado.

Segundo fontes das montadoras, que são as mesmas nos dois países, as diferenças são normais, variam conforme a atividade econômica, e o acordo está funcionando bem. Do ponto de vista da indústria brasileira, o problema é o ACE-53, que engloba os outros setores da economia, mas inclui apenas 796 produtos.

Carlos Mariani, coordenador da Coalização Empresarial Brasileira (CEB), explica que, apesar da abrangência restrita, as indústrias mexicanas aproveitaram as oportunidades em alguns produtos, enquanto o Brasil não teve a mesma sorte. Apenas 11% das exportações brasileiras para o México se beneficiam do acordo, contra 24% na mão contrária.

Lúcia Maduro, economista da CNI, alerta que as exportações brasileiras de produtos fora dos acordos registrou a maior taxa de crescimento entre 2002 e 2008: 126%. É por isso que setores como têxtil e outros querem mais produtos no acordo.

Os empresários também estão preocupados com a perda do mercado mexicano para os chineses. Em 2000, o Brasil respondia por 1,1% das compras do México e a China por 1,6%. Em 2008, a fatia brasileira ficou em 1,8%, enquanto a chinesa saltou para 11,2%.

Os brasileiros tentam ampliar o acordo com o México desde 2006 e, em maio do ano passado, foram em comitiva ao país tentar convencer seus colegas locais, sem sucesso. A resistência ficou ainda mais surpreendente quando em dezembro o México promoveu a maior abertura unilateral dos últimos 20 anos, na contramão da tendência protecionista do mundo pós-crise.

O governo mexicano implementou uma reforma que vai derrubar a média tarifária de 11% em 2008 para 6,9% em 2011. Segundo o cônsul mexicano, as motivações foram a preocupação com a inflação e a busca de choque de competitividade. Mesmo assim, produtos que interessam ao Brasil ficaram de fora e, no caso dos têxteis, as tarifas até subiram temporariamente.

Para embaixador do Brasil no México, Sergio Florêncio, existe vontade política evidente do presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e seu colega do México, Felipe Calderón, em ampliar o acordo. Ele admite, no entanto, que o problema é a resistência do setor privado mexicano.

O embaixador sugere acertos setoriais, como ocorreu no caso do setor automotivo. As diplomacias dos dois países testam maneiras de ampliar o acordo antes da visita de Calderón ao Brasil em agosto, mas a tarefa será difícil. (RL)