Título: Crise impõe mudanças, diz relatora de PEC
Autor: Ulhôa , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 19/03/2009, PolíticaCrise impõe mudanças, diz relatora de PEC, p. A7

A senadora Kátia Abreu (DEM-TO), nova relatora da proposta de emenda constitucional (PEC) que institui regime especial de pagamento de precatórios pela União, Estados e municípios, vai reabrir as negociações e tem a intenção de "flexibilizar" as regras previstas no parecer do ex-relator, o senador Valdir Raupp (PMDB-RO).

"Nossa preocupação é manter o estado de direito, mostrar que as contas têm que ser pagas, mas que não podemos inviabilizar as administrações municipais. Temos que dar um jeito de compatibilizar as duas coisas: fazer com que os precatórios sejam pagos, sem esquecer que existe uma sociedade que precisa ser atendida com esse mesmo dinheiro", afirmou ao Valor.

Presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Kátia tende a acolher a emenda do líder do PSDB, senador Arthur Virgílio (AM), que encampa as reivindicações da Frente Nacional de Prefeitos, da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e da Associação Brasileira de Municípios (ABM).

"A emenda do Arthur tem a preferência dos municípios. Pretendo me basear nela, mas quero ouvir opiniões divergentes", disse. Na terça-feira, antes mesmo de assumir a relatoria da PEC 12, Kátia reuniu-se com o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, também do DEM, acompanhado de um grupo de prefeitos do ABC paulista e de diferentes Estados. Segundo participantes, os prefeitos se queixaram da intransigência do então relator, Valdir Raupp, e defenderam a emenda de Virgílio.

A principal alteração proposta pelo tucano é a redução do comprometimento financeiro de Estados e municípios com o pagamento de precatórios. Na proposta de Raupp, as prefeituras precisam destinar de 0,6% a 1,5% da sua receita com o pagamento dos precatórios. No caso dos Estados, essa faixa sobe para até 2%. O percentual é progressivo e varia de acordo com o volume de endividamento de cada um com os precatórios, que são pagamentos devidos pelas fazendas pública federal, estaduais e municipais em virtude de sentença judicial.

A emenda apresentada por Virgílio ao parecer de Raupp beneficia Estados e municípios, porque deixa alguns governos em faixas mais brandas de vinculação. Pelo texto atual, do ex-relator, uma prefeitura e um governo estadual com uma dívida em precatórios equivalente a até 20% da receita líquida seriam obrigados a destinar, respectivamente, 1% e 1,5% de sua receita ao pagamento dessa dívida.

Pelo novo substitutivo, esse percentual será destinado ao pagamento quando a dívida chegar a 35% da receita líquida. O projeto também aumenta de 50% para 60% o volume de receitas que serão destinados a um sistema de leilões públicos pelo qual o governo poderá recomprar precatórios vencidos com desconto, reduzindo mais rapidamente o estoque de dívida.

Kátia Abreu foi cautelosa ao explicar as razões pelas quais trabalhou para conseguir a relatoria da PEC 12. Preferiu não entrar no mérito do parecer elaborado por Raupp, mas o fato é que o ex-relator negava-se a aceitar mudanças em seu parecer. "Não conheço totalmente o parecer dele. Trabalhamos para ser relatora porque é uma matéria antiga na Casa e a crise financeira mundial mudou muito a situação econômica dos municípios. O Brasil de hoje não é o de dois anos atrás. Acho que uma nova relatoria pode trazer novos ares, nova discussão, sem os desgastes do meio do caminho", afirmou.

A senadora afirmou que está disposta a ouvir os interessados, inclusive a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que faz forte oposição à PEC - por considerá-la a legalização de um calote. "Ouvi dizer que a OAB é contra, mas nenhum representante falou comigo. Se quiserem me procurar, estou à disposição", disse. Ex-relatora da PEC que extinguiu a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), o chamado "imposto do cheque", Kátia disse não se preocupar com a pressão da OAB. "Quem enfrentou a CPMF e colaborou para derrubá-la não tem essa preocupação", disse.

Na avaliação da senadora, a crise financeira prejudicou as contas dos municípios e dos Estados e isso exige a flexibilização das regras previstas para que eles paguem suas dívidas com precatórios. Ela lembra que o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) inclui recursos do IPI e do imposto de renda e, por isso, a isenção concedida pelo governo federal para minimizar o impacto da crise no país reduziu o valor das transferência. "Tudo quanto é isenção que o governo está dando na crise caiu no colo dos municípios", afirmou.

Mesmo tendo a intenção de atender às reivindicações dos municípios, Kátia não pretende acabar com a possibilidade de a Justiça decretar o sequestro das rendas públicas para pagamento de precatório, em caso de inadimplência. "Se formatarmos uma condição viável de pagamento, acho que a punição tem que existir. Não podemos deixar margem para esperteza. Esperteza não vai ter", afirmou.