Título: AGU contesta projeto que muda prazos para União
Autor: Thiago Vitale Jayme
Fonte: Valor Econômico, 03/03/2005, Legislação & Tributos, p. E1

Comemorada por advogados, a proposta de extinção do benefício da administração pública de contar com prazos diferenciados para os processos que responde na Justiça não agrada setores de dentro do próprio governo, que defende oficialmente a alteração. Ela está prevista em um dos 23 projetos de lei que fazem parte do pacote da reforma infraconstitucional, em tramitação no Congresso Nacional com o apoio formal do Palácio do Planalto. Pela primeira vez, o advogado-geral da União, Álvaro Ribeiro Costa, se pronunciou sobre a reforma dos códigos civil, penal e trabalhista e, em entrevista ao Valor, fez críticas à idéia. Os textos são considerados fundamentais pelo Ministério da Justiça para melhorar e acelerar a resolução das causas no Poder Judiciário. Mas Ribeiro Costa não esconde a insatisfação com a idéia de acabar com os prazos dobrados da União nos processos dos quais é parte na Justiça, e o classifica como "um tiro no pé". "É uma tolice monumental, e por uma razão muito simples: não é pelo prazo em dobro que a Justiça é lenta", diz. "Isso acontece por conta do excesso de processos, pelos artifícios dos advogados." O projeto de lei que reduz os prazos da administração pública está na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. O texto foi aprovado na Câmara dos Deputados e não é de autoria do governo, mas do deputado José Roberto Batochio (PDT-SP), embora conte com o apoio formal do Planalto. O projeto revoga o artigo 188 do Código do Processo Civil, que diz que computa-se em quádruplo o prazo para contestar e em dobro o prazo para recorrer quando a parte for a Fazenda Nacional ou o Ministério Público. A referência é sempre em relação aos prazos dos cidadãos comuns. Em qualquer processo, se a pessoa física ou empresa tem dez dias de prazo, a União tem 20 para apresentar defesa, recorrer e contestar uma decisão. O tratamento diferenciado já constava no Código de Processo Civil de 1939 e não é o único benefício da administração pública nos tribunais. Além dessa prerrogativa, a União conta com o duplo grau de jurisdição - o que significa que qualquer processo referente ao poder público deve, necessariamente, ser julgado por duas instâncias da Justiça. O terceiro benefício da União é estar livre do pagamento de custas. Álvaro Ribeiro Costa colaborou com alguns pontos dos demais projetos de lei apresentados pelo governo para a reforma infraconstitucional, mas não foi ouvido para tratar da questão dos prazos em dobro. Ele defende a necessidade de haver um tratamento diferenciado por conta da responsabilidade dos procuradores e advogados da União. "O prazo em dobro favorece o bem público, que é indisponível", diz. O ministro ainda aponta dificuldades burocráticas na atuação dos advogados públicos. Isso porque é complicado e demorado o processo de recolhimento de informações dos órgãos da União. Daí a necessidade de um tempo maior para a administração pública. "A defesa da União ficará mais difícil do que já é", afirma. As críticas do advogado-geral da União têm o respaldo dos demais defensores públicos e de procuradores da Fazenda Nacional. Já a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) tem posicionamento oficial favorável ao projeto do governo. "Não vejo razão alguma para o prazo em dobro existir, o Brasil é um país onde o Estado tem uma gama de privilégios enorme", diz o vice-presidente do Conselho Federal da OAB, Aristóteles Atheniense. "Se esse prazo fosse usado em casos de total interesse da nação, tudo bem, mas quando um cidadão bate em um carro da administração pública, esse prazo em dobro também é aplicado e não há sentido nenhum para isso", completa. O advogado Charles Isidoro Gruenberg, do escritório Leite, Tosto e Barros, compartilha da opinião de Atheniense. "O projeto é muito bom, a União é a grande litigante dos tribunais brasileiros e esse prazo em dobro, com certeza, compromete a celeridade da resolução dos casos", diz.