Título: Aquecimento vai tirar PIB do Nordeste e elevar migração, aponta estudo
Autor: Chiaretti, Daniela
Fonte: Valor Econômico, 26/11/2008, Brasil, p. A2

Já se sabe que a mudança climática afetará mais o Semi-Árido nordestino. O dado novo e perverso do impacto do aquecimento global no Brasil é que o fenômeno agravará a tendência de migração da região da população mais carente. Eles tenderão a vir para o Sudeste, de acordo com o movimento tradicional, e também devem rumar para a Amazônia. O impacto econômico pode corresponder a dois anos de crescimento da economia da região, tirando 11,4% do Produto Interno Bruto (PIB) que poderia ser acumulado até 2050.

A pecuária e as terras adequadas para a agricultura sofrerão grande impacto em tempos mais áridos. É o setor agrícola quem terá maiores perdas. Ceará (-79,6%), Piauí (-70,1%), Paraíba (-66,6%) e Pernambuco (- 64,9%) são os Estados que terão maior redução na área de terras agriculturáveis. Pernambuco é onde a quebra do PIB pode ser mais expressiva (-18,6%) na metade do século. Sergipe está na outra ponta: será a unidade com menor perda de PIB e de terras para agricultura no Nordeste.

Estes horizontes nada animadores fazem parte do estudo "Migrações e Saúde: Cenários para o Nordeste Brasileiro, 2000-2050" que foi feito por especialistas em migração, pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Labes - Centro de Pesquisas René Rachou e Fundação Oswaldo Cruz. Estas previsões levam em conta o pior cenário desenhado pelo braço científico da Organização das Nações Unidas, o IPCC, o Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas. Nesta situação, a temperatura média para o Nordeste deve subir 4°C até 2070. "O eixo do trabalho era, assumindo que estas mudanças virão, mapear o que pode acontecer para auxiliar nas propostas de alternativas de adaptação", diz o coordenador do estudo, professor Alisson Barbieri.

O trabalho, feito com recursos britânicos do Ministério de Relações Exteriores do Reino Unido, será divulgado hoje, em Fortaleza, em evento sobre desertificação do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e do Banco do Nordeste. O evento, no final, deve produzir uma "Carta de Fortaleza" com recomendações de políticas públicas para enfrentar a mudança climática. Estarão lá espera-se, o ministro do Meio Ambiente Carlos Minc, governadores do Nordeste e presidentes de órgãos regionais.

Um dos pontos nevrálgicos do estudo foi identificar como pode ser o movimento migratório das populações nordestinas que devem fugir à realidade ainda mais difícil que o clima pode promover. Está escrito na introdução do trabalho: "As mudanças climáticas afetam a economia e motivam a migração humana, particularmente quando falham os mecanismos de adaptação." "Comparamos com o que aconteceria normalmente, sem mudança do clima. O fenômeno afeta as populações mais vulneráveis", continua Barbieri, professor do departamento de demografia da Cedeplar/UFMG. "Mais do que acreditar nos números em si, quando se fala de migração, o importante é observar as tendências", continua.

As tendências não são boas. A migração deve ser maior nas regiões metropolitanas do Recife, de João Pessoa e de Teresina. Salvador e São Luís também serão afetadas, sendo que a capital do Maranhão deve perder gente para a Amazônia, continuando o deslocamento que colonizou, por exemplo, o Sul do Pará. A migração pode acontecer também para o Sul e Sudeste do País por motivos históricos e porque estas regiões podem continuar atraentes em termos de renda e emprego. Perderão população também municípios importantes para a economia nordestina, como Campina Grande (PB) e Caruaru (PE), além de Petrolina (PE), Mossoró (RN) e Arapiraca (AL).

Com o Brasil cada vez mais urbano, os deslocamentos populacionais agravarão situações já complicadas nas cidades, como assentamentos sem infra-estrutura ou habitações precárias em áreas de risco de deslizamento, pontua Barbieri. "Esperamos alimentar o debate da adaptação à mudança climática", continua. A adaptação é uma vertente incipiente no Brasil. Não há nenhum estudo que leve em conta a chuva e as mudanças climáticas no projeto de transposição do rio São Francisco, por exemplo.

O estudo trabalhou uma metodologia inovadora, cruzando modelos demográficos, econômicos e de saúde com cenários de mudança climática desenhados pelo INPE e de impactos na agricultura feitos por técnicos da Embrapa. O saneamento básico precário indica outro problema que será agravado pelas mudanças climáticas. Escassez de água complica mais o quadro. "As políticas têm que adaptar a população e a região a um futuro de mais escassez. Na saúde, o que tem que ser feito é melhorar o controle de doenças" diz outro coordenador do estudo, o professor da UFMG Ulisses Confalonieri.